quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

My Brother, My Self by Phil Andros

My Brother, My Self My Brother, My Self by Phil Andros
My rating: 4 of 5 stars

Phil Andros, um hustler de São Francisco, persegue por todos os Estados Unidos da América o seu irmão gémeo, Dennis Andrews, de quem nunca tinha ouvido falar, mas de quem descobre a existência por ser frequentemente confundido com ele. Pelo caminho vai tendo inúmeras aventuras sexuais e quando regressa a São Francisco e se encontra, finalmente, com ele, depara-se com uma misteriosa surpresa.

Samuel Steward, o autor de "My Brother, My Self" , foi um professor universitário que acabaria por abrir uma loja de tatuagens para estar mais perto dos marinheiros por quem se deixava fascinar. Começou a escrever pornografia para sobreviver, a certa altura da sua vida, utilizando o pseudónimo de Phil Andros. Mas os seus livros não são "pornográficos" no sentido pejorativo habitual do termo! Apesar de os dispositivos de excitação sexual, que caracterizam a pornografia, lá estarem todos, os livros de pornografia de Phil Andros oferecem muito mais ao leitor: um enredo estruturado, personagens credíveis, referências cultas, cuidado no diálogo e na linguagem utilizada. São, enfim, obras literárias de qualidade, inaugurando, talvez, um novo género, a "pornografia literária."

View all my reviews

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

GIGI by Colette

GIGI GIGI by Colette
My rating: 3 of 5 stars

O conto que dá o título ao livro, Gigi, é verdadeiramente delicioso, cativante, com uma bela descrição do que era ser uma adolescente casadoira que não nasceu em berço de oiro na sociedade parisiense de finais do século XIX.
Os dois restantes contos são interessantes, sendo o segundo, O Menino Doente, uma espécie de ensaio de escrita criativa sobre as emoções de um rapazito paralítico, e o segundo, A Senhora do Fotógrafo, um texto perspicaz sobre a vida (e a morte) do ponto de vista de um conjunto de personagens de um bairro da classe média: a narradora, a própria Colette, a enfiadora da pérolas, o fotógrafo.

A tradução é de José Saramago, uma bela surpresa quando comecei a leitura, e é excelente.

View all my reviews

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Estação Seca, diário, seguido de Topografia by Miguel Botelho

Estação Seca, diário, seguido de Topografia Estação Seca, diário, seguido de Topografia by Miguel Botelho
My rating: 4 of 5 stars

Um livro surpreendente, um deserto de esperança, "uma manhã que se esqueceu de amanhecer", que me faz sempre pensar no Winterreise, de Schubert, ou algumas coisas geniais de Mahler!

View all my reviews

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os Mutilados by Hermann Ungar

Os Mutilados Os Mutilados by Hermann Ungar
My rating: 3 of 5 stars

Franz Polzer é um obstinado com a ordem, os seus papéis no banco têm de estar arrumados, faz um inventário do seu quarto todas as noites, evita tudo o que perturbe a "normalidade" do seu mundo, o que se vem a provar uma tarefa impossível, face à ambição da sua senhoria, Klara Porges, que o transforma num escravo sexual, e à degradação física e mental do seu maior e talvez único amigo, Karl Fanta, por quem terá tido uma ligeira paixão de adolescente.

Trata-se de um romance quase kafkiano, muito subtil, expondo sem descobrir nem explicar completamente, que acaba com um crime que fica por desvendar, ou fica para cada leitor desvendar.

View all my reviews

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Memórias Póstumas de Brás Cubas by Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas Memórias Póstumas de Brás Cubas by Machado de Assis
My rating: 5 of 5 stars

O fidalgo carioca Brás Cubas apresenta-nos as suas memórias de uma vida inteira, incluindo algumas inconfidências de menino que resultaram no nascimento da "flor do arbusto", a sua paixão adolescente por Marcela, uma mulher de muitos homens, que duraria "quinze meses e onze contos de réis" e o levaria a ser expatriado para cursar direito em Coimbra, a sua relação proibida com Virgília, uma mulher casada, a sua passagem desastrada pelo Parlamento, que não chegaria a dar-lhe Ministério, a sua amizade pelo filósofo alienado Quincas Borba, e os últimos dias, em que resume a sua vida por um conjunto de "nãos".

Surpreendente, este livro, em diversas vertentes! Já repararam no título: "Memórias Póstumas..."? Sim, são póstumas, o livro é escrito pelo próprio Dr. Brás Cubas, depois de morto. E a escrita é superenxuta e vertiginosa. O livro tem 160 capítulos, alguns com não mais que um parágrafo, outros, que o autor quer manter discretos, em que as palavras são substituídas por "..."! E também é uma escrita culta, rica de referências e irónica, mas de uma ironia quase britânica, modesta, incisiva, que não poupa o narrador ou o seu livro e brinca com o leitor.

Este livro, que rompe com tantos cânones da época em que foi escrito, que é tão revolucionário e inovador, quer na sua estrutura, no tom que emprega ou no realismo irónico e quase cáustico, foi recebido com estranheza pela crítica e pelo público brasileiro, mas continua fresco e delicioso nos dias de hoje.

View all my reviews

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A História do Corpo Humano by Daniel E. Lieberman

A História do Corpo Humano - Evolução, Saúde e Doença A História do Corpo Humano - Evolução, Saúde e Doença by Daniel E. Lieberman
My rating: 4 of 5 stars

Como temos o corpo que temos? Não, não foi Deus que o criou ao sexto dia, embora o Génesis seja um dos mais belos texto de ficção já escritos. Daniel Lieberman escreve não-ficção, acredita na ciência e na evolução natural das espécies, e dá-nos uma descrição simultaneamente rica, apaixonante e simples sobre a história do corpo humano, explicando-nos como foi evoluindo para se adaptar ás forças de seleção natural que o foram moldando ao longo dos milénios, e como, face ao progresso aceleradíssimo da tecnologia humana, primeiro com a revolução agrícola e depois com a industrial, o nosso corpo não foi conseguindo adaptar-se com velocidade suficiente e é agora severamente molestado por uma alimentação rica em açúcares e hidratos de carbono, pela vida agitada e poluída das cidades e pelo nosso sedentarismo e falta de exercício físico.

É sempre fascinante compreender como é que o nosso corpo funciona e porquê, e desse conhecimento podem e devem resultar alterações de hábitos e comportamentos que nos proporcionem uma vida melhor, mais saudável e mais prolongada. Se este livro resulta excelente a explicar-nos o corpo que temos (partes I e II), deixa um sabor a pouco quando se trata de nos esclarecer e aconselhar em relação ao que fazer com ele (parte III), mas como se diz, "o ótimo é inimigo do bom" e este livro é muito bom!

View all my reviews

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O Lugar Supraceleste by Frederico Lourenço

O Lugar Supraceleste O Lugar Supraceleste by Frederico Lourenço
My rating: 4 of 5 stars

Um conjunto de 90 crónicas de Frederico Lourenço sobre momentos da sua vida, sobre arte, filosofia, religião, música, sempre muito informadas e cultas, nomeadamente pela grande erudição do autor sobre a Antiguidade Clássica, sempre muito francas ("o inimigo da alma não é o corpo; o inimigo da alma é o contrário da verdade"), mesmo em relação à sua homossexualidade, embora nunca ultrapassando uma fronteira de intimidade muito pessoal. Um livro para anotar, refletir e aprender.

View all my reviews

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Verão Ártico by Damon Galgut

Verão Ártico Verão Ártico by Damon Galgut
My rating: 4 of 5 stars

Uma parte importante da vida de E. M. Forster romanceada para tentar explicar como é que a sua vida pessoal e os acontecimentos do seu tempo, na Inglaterra, no Egito e na Índia, contribuíram e inspiraram o autor para escrever um dos seus grandes romances, Uma Passagem para a Índia.

Damon Galgut leva-nos a conhecer as paixões de Forster, primeiro pelo seu amigo indiano Masood, depois pelo condutor de elétricos de Alexandria, Mohammed el-Adl, bem como as suas deambulações pelo mundo, como as suas visitas a Edward Carpenter, a sua primeira viagem à Índia, para visitar Masood, e a segunda, como secretário do marajá Bapu Sahib, onde é confrontado com o fosso que se alarga entre os britânicos, que governam quase colonialmente a Índia, e os indianos, associando-as a lugares, situações e emoções do best-seller do autor, que teve uma gestação prolongada, só vendo a luz ao fim de 11 anos de escrita e vários recomeços.

Um livro muito interessante e credível, que desperta a curiosidade pela vida de E. M. Forster, soberbamente biografada em A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster, por exemplo.

View all my reviews

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Caim by José Saramago

Caim Caim by José Saramago
My rating: 3 of 5 stars

Caim é condenado pelo seu crime fratricida e foge para vaguear pelo mundo mas, curiosamente, dá por si viajando no tempo e no espaço, e irá testemunhar momentos específicos do Antigo Testamento, chegando mesmo a intervir decisivamente nalgumas situações em que a crueldade e injustiça de Deus são mais flagrantes (o episódio de Sodoma e Gomorra, em que todos são eliminados pelo "crime" de homossexualidade, mesmos as crianças inocentes; a extinção de toda a humanidade, aliás, de toda a vida à face da Terra, com exceção de Noé e da sua família; o castigo dos adoradores do bezerro dourado que esperavam Moisés na base do Monte Sinai; etc.).

A escrita de Saramago é excelente, quase barroca, e o seu sentido de humor afinado (é Caim quem segura o braço de Abraão quando este se prepara para degolar o seu filho, a pedido de Deus, porque o Anjo, que Deus havia enviado para o impedir e lhe dar uma lição de moral, se atrasou...), mas não tenho a certeza se um romance, com laivos de ficção científica, é um meio adequado para criticar a violência e selvajaria presentes no Antigo Testamento, pelo menos a mim, confundiu-me um pouco.

View all my reviews

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Wise Blood by Flannery O'Connor

Wise Blood Wise Blood by Flannery O'Connor
My rating: 4 of 5 stars

Hazel "Haze" Motes, a 22-year-old, has just returned from the war and becomes a preacher of the Church of Truth Without Christ, a church of his own creation that he uses to spread words against God, judgement, sin or evil.

This is a unique work of "low comedy and high seriousness", where a feeling of lack of purpose mixes with a sense of mysterious predestination to give this novel the right setting to discuss religion and humanity.

View all my reviews

Lucialima by Maria Velho da Costa

Lucialima Lucialima by Maria Velho da Costa
My rating: 3 of 5 stars

Maria Velho da Costa escreve belissimamente, uma escrita intelectual, riquíssima de vocabulário, de metáfora, mas ao mesmo tempo com uma atenção sublime ao pormenor, com personagens credíveis (como Freddie que, segundo Eduardo Pitta, é "uma bicha espantosa") em cenas que, de tão realistas ou dramáticas, acreditamos terem sido vividas ou presenciadas pela autora, como neste encontro de uma criança de dois anos com uma velha algarvia, vendedora de amêndoas, que vem montada numa burra acompanhada do seu burrito recém-nascido:
"Brava, hã?", repete a mulher debruçada sobre ela, "ora atão donde vem o cotumiço?" E Lucinha enceta uma conversação que lhe parece bastante possível.
- De li.
- Casinha alugada ao mês, atão não? E que te dizem?, que não andes aqui no carreiro, não passes o cancelim, podes ter maus encontros, atão não?
- Nã.
- Pespineta patranheira e tanto, ora atão. Em quantos vais?
Lucinha espeta dois dedos no ar. Januária diz-lhe, "Chega" e ela concorda, abraça pelo cachaço o animalinho e diz, "Chê", levantando a cara para a mulher que entretanto se assentou bufando no muro baixo, tecido de pedra com tojo e urtiga, o do lado de cá.
- Chega não, que ainda agora não viste nada. Se não te ferrou o jeriquinho lá sabe para o que estás guardada. Burro de meses, menino da Lua e o que a Lua beija não medra ao Sol. Acautela-te serigaitinha. Queres uma amêndoa?, toma lá treze, uma para cada mês e outra ao cornudo. Assim houvera feito para a minha. Vade retro.


A maior parte dos contos deste livro, porque parece tratar-se de um livro de contos, ou de um novo género de romance? (os personagens ressurgem em contextos diferentes e o capítulo final parece uma assembleia geral) é de uma grande complexidade, pleno de referências e implicações, que precisa de ser lido devagar, refletido e cruzado com informação que já veio ou que há-de vir, não aconselhável, portanto, a leitores apressados, como nesta reflexão de Ramos:
Na minha idade, quando sou amado, ou requerido presente tanto quanto um corpo que envelhece e mente que ancilosa podem sê-lo. Que fazemos aqui? As paredes têm delicadas circunvoluções setecentistas, cromados brilham e veludos e estuque absorvem luz. Há telas nas paredes, reconheço-os - os nomes. Dispo sem gosto estes corpos cujo cóccix ocultamente opresso numa postura inverosímil aguenta a coluna que sustenta o nome que tem uma cabeça. Como os ramos do meu nome as garras das costelas contêm-lhes alvéolos sangrentos desenhados ao pez da nicotina. O Chile caiu há dias, quem de nós pensa nisso já? Por cima do andar alto as estrelas divagam numa arborescência muito mais eterna que estas criaturas com vísceras, ainda mais remotas. Não deveria ter vindo aqui, porque colectivizar esforços da mais fútil das manifestações - o desenho de sinais gráficos sobre resíduos celulósicos, a mão que mima o comando da descarga espástica do cosmos.

Um livro, em suma, que estimula a ler mais textos da autora e que, para além disso, ainda pode ser comprado apenas por 4,90 euros!

View all my reviews

No Coração desta Terra by J.M. Coetzee

No Coração desta Terra No Coração desta Terra by J.M. Coetzee
My rating: 4 of 5 stars

Na África do Sul, numa fazenda de criação de ovelhas rodeada de nada a toda a volta, um patriarca branco é o senhor absoluto, atemorizando a filha única (a narradora) e os seus criados negros. Hendrik, um rapaz negro que aparece na quinta vindo de não se sabe onde, irá ter um papel determinante nos eventos futuros, que resultarão na morte do patriarca, na violação da narradora, que acabará sozinha e amargurada, e no esboroar da quinta, no que parece ser uma metáfora do colonialismo europeu em África.

A narrativa é feita na primeira pessoa, muito entrecortada, por vezes repetida, outras vezes contraditória, reescrevendo a história, como se a narradora estivesse a tentar extrair da névoa da memória o que aconteceu ou o que gostaria que tivesse acontecido, tornando-a por isso muito poderosa e original.

View all my reviews

domingo, 20 de setembro de 2015

Middlesex by Jeffrey Eugenides

Middlesex Middlesex by Jeffrey Eugenides
My rating: 4 of 5 stars

"Começarei por dizer que nasci duas vezes: primeiro, como menina bebé, num dia invulgarmente limpo na cidade de Detroit, em Janeiro de 1960. Depois, outra vez, como rapaz adolescente, numa sala de urgências perto de Peroskey, Michigan, em Agosto de 1974. Os leitores da especialidade ter-se-ão talvez cruzado comigo num estudo publicado em 1975 pelo Dr. Peter Luce, no «Journal of Pediatric Endocrinology» sob o título «Gender Identity in 5-Alpha-Reductase Pseudohermaphrodites». Ou talvez tenham visto a minha fotografia no capítulo 16 do tristemente esquecido «Genetics and Heredity». Lá estou eu na página 578, nu, especado em frente a um quadro de medição com uma caixa preta a tapar-me os olhos."

É assim que começa Middlesex, de Jeffrey Eugenides, com o personagem principal, Callie/Cal contando-nos o "fim" da história. Mas antes de chegar à última página do livro, regressaremos 2 gerações atrás, ficaremos a conhecer a saga dos seus avós gregos, refugiados vindos da Turquia, onde escaparam milagrosamente ao grande fogo de Esmirna, para integrar o milagre industrial americano na capital dos automóveis, em Detroit, e o seu posterior declínio.

Muito bem escrito, muito bem traduzido, sempre muito interessante ao longo das mais de 500 páginas, sobretudo do ponto de vista histórico, não deixa no entanto de deixar um travo a desilusão, pois a temática que tão bem é enunciada logo nas primeiras páginas (e aqui não posso alargar-me sob pena de estar a revelar demasiado...) acaba por ser apenas abordada quase só nos últimos capítulos.

View all my reviews

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Fahrenheit 451 by Ray Bradbury

Fahrenheit 451 Fahrenheit 451 by Ray Bradbury
My rating: 4 of 5 stars

Num futuro incerto (o livro foi escrito em 1953), Montag é um bombeiro numa época em que os bombeiros deixaram de ser necessários para apagar fogos - todos os edifícios são agora ignífugos - mas continuam a ser especialistas em incêndios, já que a sua missão é agora queimar livros, esses objetos que apenas trazem infelicidade às pessoas: "Os negros não gostam de «Little Black Sambo». Queimemo-lo. «A Cabana do Pai Tomás» não agrada aos brancos. Queimemo-lo. Um tipo escreveu um livro sobre o tabaco e o cancro do pulmão? Os fumadores de cigarros ficam consternados. Queimemos o livro. A serenidade, Montag, a paz, Montag. Liquidemos os problemas, ou melhor ainda, lancemo-los no incinerador; os enterros são tristes e pagãos? Eliminemo-los igualmente. Cinco minutos após a morte, todo o indivíduo vai a caminho do Grande Crematório, por meio dos Incineradores servidos por helicóptero em todo o país. Dez minutos após a morte, o homem nada mais é que um grão de poeira negra. Não vaticinemos acerca dos indivíduos a golpes de inconsoláveis memórias. Esqueçamo-las. Queimemo-los, queimemos tudo. O fogo é brilhante, o fogo é lindo."

Fahrenheit 451 ("a temperatura a que um livro se inflama e consome"), escrito em plena época do McCartismo americano, apresenta-nos um futuro de perda de individualidade, de manipulação de informação, de repressão e medo, num cenário mais mecânico que eletrónico que, lido nos dias de hoje, parece padecer já de algumas marcas da passagem do tempo... ou talvez não, com o escalar das guerras regionais, das crescentes massas de refugiados, da xenofobia, do consumismo e comodismo, da progressiva intrusão dos Estados nas nossas vidas privadas, talvez a ameaça de um futuro como o de Fahrenheit 451 continue a pesar sobre as nossas cabeças!

View all my reviews

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

90 e Mais Quatro Poemas by C.P. Cavafy

90 e Mais Quatro Poemas 90 e Mais Quatro Poemas by C.P. Cavafy
My rating: 4 of 5 stars

Um conjunto de poemas de Constantino Cavafy selecionados, traduzidos, introduzidos e ricamente anotados por Jorge de Sena, com o objetivo de apresentar todas as fases da obra do grande poeta da Alexandria grega.

A poesia de Cavafy é etérea e nostálgica, usando as palavras de deuses, reis e guerreiros da antiguidade para evocar breves episódios dramáticos da história longínqua dos mundos grego e romano do período clássico, através dos quais nos deixa entrever os grande embates que se travavam à época, como o declínio político grego perante o poder romano ou a expansão inexorável da cristandade. Quando como em "Mires" ou "Deus Abandona Marco António", por exemplo, Cavafy consegue associar o instante histórico a uma tensão emocional muito forte, a sua poesia toca-me profundamente.

Mas não só, também me toca a sua poesia muito pessoal, cheia de uma nostalgia leve e enternecedora, em que Cavafys, poeta velho, recorda na primeira pessoa as emoções que experimentou há longos anos perante a beleza dos jovens por quem se apaixonou e que, resignado, já só tem esperança de reviver na memória.

Não deve passar dos vinte e dois. Contudo, / quase tenho a certeza de que há uns vintes anos / este mesmo corpo foi que eu possuí. // Não é uma ilusão do meu desejo. / Entrei neste casino apenas há instantes, / não tive tempo de beber de mais. / Foi este mesmo corpo que eu possuí. // Se não me lembra aonde - pouco importa. // Na mesa ao lado, agora, vem sentar-se: / ah reconheço os gestos dele - e sob a roupa / vejo-lhe nus os membros que eu amei.

View all my reviews

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Olá Mundo Cruel! by Kate Bornstein

Olá Mundo Cruel! Olá Mundo Cruel! by Kate Bornstein
My rating: 4 of 5 stars

Kate Bornstein era um menino que não se sentia bem como menino e queria ser uma menina. Foi vítima de bullying e pensou suicidar-se várias vezes. Quando cresceu e conseguiu transformar-se em mulher, descobriu que também não estava bem como mulher! E passou a experimentar outras identidades e nenhuma. Hoje tenta explicar a sua sexualidade com a expressão "femme sadomasoquista submiss@", mas afirma que isso não é importante, e que vai mudando de identidade como quem muda de roupa, de acordo com as suas necessidades e humores.

O seu livro é simultaneamente um hino à liberdade de expressão ("o maior bem da vida, todo o propósito da liberdade e talvez aquilo que todos os seres humanos do planeta têm em comum é, sem dúvida, a busca da felicidade [...] Quem é que tem o direito de decidir qual o tipo de felicidade que está correcto?") e uma celebração da diferença ("Experimentas algo melhor e ficas a querer mais. Não há nada de errado nisso. Porra, não há nada melhor!").

Quando o que está em causa é uma infelicidade tão grande que pode levar ao suicídio, qualquer comportamento é válido, diz Kate Bornstein, desde que não se seja "mauzinh@" para os outros. E isso inclui permitir-se ser sexy contra os tabus da sociedade e da Igreja, mostrar-se tal como se é ou fingir-se de louc@, pedir ajuda ou fugir e esconder-se, brincar com a morte ou passar fome, mentir ou falar verdade, experimentar drogas...

Sim, entrámos no mundo do relativo, muito longe dos critérios absolutos e binários do é bom ou é mau, é rapaz ou rapariga, és nosso amigo ou nosso inimigo", o mundo do "ou isto ou aquilo". "Imagina um mundo onde qualquer pessoa pudesse, de uma forma segura e até alegre, expressar-se como sempre quis. Em que nada relativo aos corpos com que as pessoas nasceram ou àquilo que escolheram fazer com eles - a forma com os vestem, como os decoram, ou como os alteram ou aumentam - fizesse com que se rissem delas, ou que se fizesse deles alvos, ou que de alguma forma os privasse dos seus direitos. Consegues imaginar um mundo assim?"

View all my reviews

domingo, 2 de agosto de 2015

Mataram a Cotovia by Harper Lee

Mataram a Cotovia Mataram a Cotovia by Harper Lee
My rating: 5 of 5 stars

Scout, uma maria-rapaz de nove anos, o seu irmão Jem, quatro anos mais velho, e um amigo Dill, vivem as tradicionais aventuras de verão numa pequena cidade do sul americano, fazendo a sua dose de traquinices. São miúdos inteligentes a quem o pai, o advogado Atticus, trata com amor e respeito. Mas tudo irá mudar quando Tom Robinson é acusado de violar a filha de Bob Ewell e Atticus decide corajosamente enfrentar os preconceitos racistas do início do século XX num estado sulista para defender um negro contra um branco.

A história é contada por Scout, na primeira pessoa, como se estivesse a relembrar o que se passou naqueles anos difíceis. É uma narrativa carregada de inocência, de alguém que observa sem compreender completamente o que se está a passar (a discriminação racial, os hábitos sociais rídiculos,...) e que, sendo curiosa e arguta, faz perguntas e observações certeiras, por vezes cheias de ironia não intencional.

Apesar de nem sempre os "bons" ganharem e de haver dor, injustiça e maldade, todos os personagens, exceto os Ewells, têm uma faceta humana com a qual empatizamos imediatamente e que nos enternece. Mesmo a tia Alexandra ou os Cunninghams acabam por ser de certa forma simpáticos (são, teoricamente, dos mais perversos para as crianças). Aliás, ternura é, provavelmente, a palavra que melhor descreve a atmosfera deste romance, uma ternura que nos faz sentir protegidos ao lê-lo apesar da crueza dos eventos. Uma ternura que terá que ver com a nostalgia que todos sentimos dos "bons-tempos" da infância? Talvez...

View all my reviews

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Amor entre Samurais by Ihara Saikaku

Amor entre SamuraisAmor entre Samurais by Ihara Saikaku
My rating: 4 of 5 stars

Ihara Saikaku (1642-1693), foi um romancista e poeta japonês, considerado um dos pais do conto e do romance no Japão. Com os seus livros da série "Mundo Flutuante", revolucionou a prosa japonesa, abordando temas populares e quotidianos, por vezes licenciosos e proibidos, numa linguagem simples e coloquial. Escrevia para vender e ganhar dinheiro, mais que para permitir a reflexão do leitor ou para o informar. As suas obras tiveram enorme sucesso comercial durante a sua vida, mas acabaram por ser esquecidas até ao final do século XIX, quando finalmente recomeçaram a despertar o interesse dos estudiosos. No entanto, devido ao seu conteúdo erótico, muitos contos e novelas continuaram censurados pelos governos militares que dominaram o Japão no início do século XX, e só após a II Guerra Mundial foram publicadas as suas Obras Completas. Yukio Mishima declarou uma vez que o seu livro, Confissões de uma Máscara, era a primeira obra importante a abordar o tema da homossexualidade no Japão depois de The Great Mirror of Male Love, de Saikaku.

Comrade Loves of the Samurai é uma seleção de contos de Saikaku que aborda o tema do amor entre samurais, traduzidos para o inglês por E. Powys Mathers, em 1928, a partir da tradução francesa por Ken Sato. São pequenas histórias ternas e cândidas de paixões devastadoras entre samurais, que terminam frequentemente em haraquiri, de acordo com o código de honra dos tradicionais guerreiros japoneses. O amor retratado tem, surpreendentemente, dada a distância geográfica e temporal entre as duas culturas, muitas semelhanças com o amor grego, surgindo frequentemente a figura tutelar do homem mais velho, que ama, aconselha e educa o jovem por cuja beleza se apaixona. Surpreendente é, também, a descoberta de que por detrás da frieza marcial e assassina que nos habituámos a associar aos míticos samurais japoneses existiam, na verdade, relações homossexuais de amor e ternura inesperadas.

View all my reviews

O mapa e o território by Michel Houellebecq

O mapa e o territórioO mapa e o território by Michel Houellebecq
My rating: 4 of 5 stars

Esta é a vida de Jed Martin que, como por acaso, fez fama e fortuna no mundo da arte. Jed não era ambicioso, nem sabia muito bem o que queria da vida, mas era obcecado e perfecionista: primeiro, decidiu fazer um inventário fotográfico de todas as ferramentas e utensílios do homem, chaves de parafusos, garfos e colheres, mesas e cadeiras,... depois, subitamente, apaixonou-se pelos mapas de estradas da Michelin ("o mapa é mais interessante que o território"), e passou dez anos a fotografá-los em perspetiva, iluminados lateralmente, parcialmente desfocados,... em seguida fechou-se anos a pintar todas as artes e ofícios (o talhante de carne de cavalo, o empresário no seu último dia de escritório, Bill Gates e Steve Jobs conversando,...) até que, já podre de rico, regressou à aldeia dos avós e se fechou numa propriedade cercada por uma rede de 3 metros de altura e encimada por um cabo de segurança elétrico.

Parece demasiado simples e extravagante, mas a vida de Jed Martin não é mais que um pretexto que permite a Michel Houllebecq discorrer de forma brilhante, mas despretensiosa, entre outras coisas, sobre fotografia, sobre arquitetura (a desumanização de Le Corbusier e Van der Rohe vs o movimento Arts & Crafts inspirado por Charles Fourier e William Morris), sobre crítica de arte (aqui, cheio de ironia), sobre a morte (a vida, o suicídio, a eutanásia) e sobre a solidão. E sim, muitos dos personagens são pessoas verdadeiras, com a ficção a enredar-se na realidade, ao ponto de Michel Houllebecq ser ele próprio um dos personagens principais do seu próprio livro, o personagem que será central no capítulo "policial" deste romance! Sim, há mistura de géneros, e um capítulo inesperadamente policial, com um assassínio misterioso e um comissário de polícia a investigar! Será Jed Martin o assassino?

Parecia um enredo simples, não parecia? Mas não é... é um livro inesperado, desconcertante por vezes, mas muito bem escrito, muito interessante e enriquecedor.




View all my reviews

domingo, 28 de junho de 2015

A Filosofia na Alcova by Marquis de Sade

A Filosofia na AlcovaA Filosofia na Alcova by Marquis de Sade
My rating: 3 of 5 stars

Madame de Saint-Ange convoca Dolmancé e o seu irmão, o Cavaleiro, para educar na teoria e na prática da libertinagem a jovem Eugénie, uma virgem encerrada que se encontrava encerrada num convento pela mãe, uma puritana que Eugénie odeia, mas que é incentivada pelo pai, também ele um libertino, a aprender as coisas da vida.

O texto consiste num conjunto extenso de diálogos entre os vários personagens, intercalado por um longo discurso.

Apesar das cenas explícitas de sexo (pornográficas), em que as posições sexuais parecem quase acrobáticas e os intervenientes são autênticos superheróis do sexo, virtualmente inexauríveis e inesgotáveis, esta obra apresenta-nos a visão libertina do século XVIII sobre a ortodoxia sexual (Dolmancé é um sodomita bissexual que tem mais prazer com rapazes), fazendo a apologia da liberdade sem limites (a crueldade e o crime são aceites e defendidos) e questionando a moral e as virtudes (com ataques cerrados à Igreja e à religião), por vezes com laivos de grande modernidade ("Que lhe importa que se extinga ou se aniquile a raça dos homens na Terra! Ela ri do nosso orgulho de nos convencermos de que tudo seacabaria se esse infortúnio acontecesse! Mas ela nem sequer daria por isso!")

View all my reviews

Vícios de amor by Norberto Morais

Vícios de amorVícios de amor by Norberto Morais
My rating: 3 of 5 stars

Vícios é uma terra perdida, longe de tudo, que tem uma única praça com uma enorme árvore no meio, onde se encontra pendurado, de cabeça para baixo, um homem a quem ninguém liga, uma varanda onde está permanentemente um velho louco a observar tudo, um padre e a sua igreja, o inevitável bordel no andar de cima do único café, e um ser, meio cabrito, meio rapaz, entre outros personagens e histórias misteriosas por contar.

Este é o primeiro livro de Norberto Morais, antes do fabuloso O Pecado de Porto Negro. Tal como neste último, Norberto Morais transporta-nos para um ambiente mágico, que imaginamos algures na América do Sul, mas, ao contrário dele, dispersa-se num incontável número de personagens, com uma estrutura narrativa complexa que ziguezagueia no tempo e onde as mortes e os partos se sucedem. Um livro que daria material para muitos livros!

View all my reviews

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Girl Meets Boy by Ali Smith

Girl Meets BoyGirl Meets Boy by Ali Smith
My rating: 4 of 5 stars

Fragments and some unrelated scenes tolds in the first person by two sisters.

Ali Smith surprises from the beginning, she is able of "writing" the story inside our heads, more than in the paper lines, she has a soft, natural, queer approach, evoking almost automatically Virginia Woolf's "Orlando". For example, it is evening, grandfather sits his two granddaughters in the lap, grandmother nearby, and starts telling them stories of his youth, when he was a girl; or when Anthea falls in love with Robin, while she is climbing down a ladder after painting a bold protest phrase in the façade of corporate headquarters:“He was the most beautiful boy I had ever seen in my life. But he really looked like a girl. She was the most beautiful boy I’d ever seen in my life.
And it's not just about the loves of the two sisters, it is also about the ambiance of Scotland, the strangeness of London and Englishness, work ethics and political protest, and more... all painted in our minds with a few beautiful strokes.

My first book of Ali Smith, yes, first, because it will not be the last, for sure!


View all my reviews

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão - Letras sem Tretas: Guia Prático de Escrita de Ficção by Mário de Carvalho

Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão - Letras sem Tretas: Guia Prático de Escrita de FicçãoQuem Disser o Contrário É Porque Tem Razão - Letras sem Tretas: Guia Prático de Escrita de Ficção by Mário de Carvalho
My rating: 4 of 5 stars

Excelente! Cheguei ao também excelente Estilística da Língua Portuguesa de Rodrigues Lapa por referência contida neste livro de Mário de Carvalho. Mas enquanto a "Estilística" se debruça sobre a elegância da escrita e o bem escrever, este "Quem Disser o Contrário" é complementar e mais abrangente, aconselhando o candidato a escritor não só sobre o estilo, mas também sobre o começar a escrever, os elementos basilares do romance, o evitar ou superar bloqueios, o procurar inspiração e muito mais.
Curiosamente, para um livro que traz na capa a palavra "Guia", Mário de Carvalho adopta uma posição de grande flexibilidade em relação à escrita literária e afirma que quem quer fazer crer que existem regras, truques ou processos sistemáticos para escrever bem (aka "escrita criativa") não está a ser sério. Pelo contrário, diz ele, em clara sincronia com Rodrigues Lapa, em escrita literária tudo é possível; afinal todos os dogmas foram sendo esmagados ao longo da história e o que ontem era medíocre, hoje é premiado. Aventure-se, caro escritor, concluiria Mário de Carvalho.
Não posso terminar sem referir que, mesmo descontando o interesse pelo conteúdo, a leitura é fonte de enorme prazer, pela elegância da escrita, pelo tom coloquial e intimista, pelas referências e citações certeiras e pelo que revela da extensa curiosidade, cultura e amor pelos livros e pela escrita do autor. Vou reler, sem dúvida, e recomendo a todos os "candidatos a escritores"!

View all my reviews

Estilística da Língua Portuguesa by Manuel Rodrigues Lapa

Estilística da Língua PortuguesaEstilística da Língua Portuguesa by Manuel Rodrigues Lapa
My rating: 4 of 5 stars

Excelente, escrito em linguagem não académica, mas rigorosa, ensina-nos a par e passo que a escrita literária não tem de se reger pela ditadura do planeta da gramática, antes, é ao escapar para a sua órbita, distanciando-se sem a perder de vista, que se revela o génio literário.

View all my reviews

sexta-feira, 10 de abril de 2015

NEW: The American People: Volume 1: Search for My Heart: A Novel by Larry Kramer

NEW: published April, 2015
TO READ
Larry Kramer, the well known LGBT rights activist, one of the protagonists of the early days of fight against AIDS, an author famous for his provocative novel, Faggots, and his awarded play, The Normal Heart, will be publishing this month the first volume of his ambitious The American People: A History, a "proustian" work of historic fictions about America and the Americans, a people, according to the author, contaminated by hate and greed, but capable of noble acts of great courage and kindness.

segunda-feira, 23 de março de 2015

As aventuras de um garoto de programa by Phil Andros

As aventuras de um garoto de programaAs aventuras de um garoto de programa by Phil Andros
My rating: 3 of 5 stars

Um conjunto de 12 contos, mais ou menos interligados por um personagem central ("o garoto de programa", um prostituto) e alguns temas recorrentes, como o sexo gay e interracial. Os textos são interessantes, transportando-nos para um ambiente americano dos anos 60 do século vinte, tanto no cenários do "wilderness" americano, como nas grandes cidades de Chicago e NY. Surpreende pelo que revela acerca da cultura do autor, o que não é habitual neste tipo de livros eróticos mais explícitos, e pela completa falta de menosprezo ou de arrependimento do prostituto pela sua vida e comportamento, que surge como perfeitamente humano e natural.
Esta edição foi feita no Brasil, e é a única em português, mas, infelizmente, a tradução é horrível, com erros evidentes. Com uma boa tradução, não hesitaria em classificar este Stud de Phil Andros com quatro estrelas.

View all my reviews

terça-feira, 17 de março de 2015

Na Rua das Lojas Escuras by Patrick Modiano

Na Rua das Lojas EscurasNa Rua das Lojas Escuras by Patrick Modiano
My rating: 4 of 5 stars

Lembrei-me da ópera "A Mulher Sem Sombra" de R. Strauss quando comecei a ler este livro de Modiano. Aqui, o protagonista é um "homem sem sombra", um homem que perdeu a memória e que não sabe nada sobre si próprio, a começar pelo seu nome. Decide lançar-se numa perseguição detetivesca sobre o seu passado, mas com um pudor e uma timidez notáveis, e acaba por descobrir que a sua busca é inútil, como o choro de uma criança: "Chora sem motivo, ou porque queria continuar a brincar. Afasta-se. Já dobrou a esquina da rua - e não se dissiparão, ao anoitecer, as nossas vidas, tão depressa como aquele gesto de criança?"

O livro vale sobretudo pela escrita, calma e distanciada, como se envolvesse o enredo numa névoa, a névoa da memória, e pelo desfilar de uma série de personagens, excecionalmente bem delineados, por vezes apenas com alguns traços, que vão surgindo ao longo do périplo do narrador (estou a lembrar-me do fotógrafo efeminado e paranóico, Mansoure, que morava num apartamento repleto de "cetins, marfins e dourados um pouco enjoativos" e afastava constantemente as cortinas, desconfiando de alguém escondido).


View all my reviews

quarta-feira, 11 de março de 2015

O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar by Yukio Mishima

O Marinheiro que Perdeu as Graças do MarO Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar by Yukio Mishima
My rating: 4 of 5 stars

Verão: Noboru descobre um pequeno orifício na parede do quarto da sua mãe e, por ele, deslumbra-se com a nudez de um marinheiro, Ryuji que a sua mãe, Fusako, viúva há cinco anos, levara para casa nessa noite. Inverno: Ryuji apaixona-se por Fusako e, logo que regressa a terra, abandona a vida de marinheiro, atraiçoando o mar, que não lhe perdoará.

Esta novela é sobre o fascínio exercido pelo mar, mas do mar como aventura e, sobretudo, como horizonte para lá do qual estará o destino de cada homem, a sua glória, o que o distinguirá da massa anónima e medíocre. Como tal, é também um livro sobre a vida e sobre a morte, sobre a descoberta, o crescimento, a atração e o sexo, o desapontamento, a dúvida e as escolhas que somos obrigados a fazer. Noboru e Ryuji partilham o fascínio pelo mar e pelos navios, mas, ironicamente, é precisamente quando Ryuji volta a sonhar com o mar, a sentir-lhe o cheiro e o chamamento irresistível, que se desencadeia a tragédia às mãos de Noboru.

"Os fantasmas do mar, dos navios e das viagens oceânicas existiam apenas nessa gota verde brilhante. Mas, por cada dia que passava, mais os odores abomináveis da vida em terra se colavam ao marinheiro: o cheiro da família, o cheiro dos vizinhos, o cheiro da paz, do peixe frito, das piadas e das mobílias sempre imóveis, o cheiro dos livros de contas da casa e dos passeios de fim-de-semana... todos os cheiros pútridos que os homens de terra deitam, o fedor da morte"

A escrita é genial, com algo de misterioso, mas ao mesmo tempo poético, outras vezes intrigante, mas sempre muito sensorial. Mishima é, de facto, um dos grandes escritores do século XX.

View all my reviews

terça-feira, 3 de março de 2015

Stoner by John Williams

StonerStoner by John Williams
My rating: 4 of 5 stars

A vida simples de William Stoner: a sua infância e adolescência numa quinta isolada de um Estado ignorado dos EUA na primeira metade do século XX; a partida para a Universidade onde fará carreira como professor universitário, o casamento e a filha, os alunos, o grande amigo e o grande inimigo, a amante, a reforma e a morte. Parece linear, mas nenhuma vida é linear, e William Stoner tem uma forma peculiar de encarar a vida: sem ansiedade em relação ao futuro e sem angústias em relação ao passado. Vive para o presente, para o trabalho, para o dever, para o que acha justo e para o que entusiasma. Mas Stoner também é peculiar a encarar a morte: quase como mais um passo lógico, uma fatalidade contra a qual não vale a pena lutar, "business as usual", sem dramas nem emoções.

"Chegara aquela idade em que lhe ocorria, com crescente intensidade, uma pergunta de uma simplicidade tão avassaladora que não tinha como a enfrentar. Dava por si a perguntar-se se a vida valeria a pena,se alguma vez valera a pena. Era uma pergunta, desconfiava ele, que assolava todos os homens a uma dada altura; perguntou-se se os assolaria com uma força tão impessoal como o assolava a ele. A pergunta acarretava uma tristeza, mas era uma tristeza geral que (pensava ele) pouco tinha que ver consigo ou com o seu destino em particular."

A escrita é simples (como Stoner?), fluente e enxuta, mas ao mesmo tempo envolvente, credível e perspicaz. Sentimos-nos na pele de William Stoner, sofremos as suas dores, partilhamos as suas alegrias, e por isso compreendemos melhor o seu olhar pessimista (ou realista?) e pungente que nos obriga a recordar quão breve a vida é quão inevitável o nosso destino.

View all my reviews

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

NEW: The Prince of los Cocuyos: A Miami Childhood by Richard Blanco

The Prince of los Cocuyos: A Miami Childhood by Richard Blanco
NEW: published September, 2014
TO READ
A poignant, hilarious, and inspiring memoir from the first Latino and openly gay inaugural poet, which explores his coming-of-age as the child of Cuban immigrants and his attempts to understand his place in America while grappling with his burgeoning artistic and sexual identities.
Richard Blanco’s childhood and adolescence were experienced between two imaginary worlds: his parents’ nostalgic world of 1950s Cuba and his imagined America, the country he saw on reruns of The Brady Bunch and Leave it to Beaver—an “exotic” life he yearned for as much as he yearned to see “la patria.”
Navigating these worlds eventually led Blanco to question his cultural identity through words; in turn, his vision as a writer—as an artist—prompted the courage to accept himself as a gay man. In this moving, contemplative memoir, the 2013 inaugural poet traces his poignant, often hilarious, and quintessentially American coming-of-age and the people who influenced him.
A prismatic and lyrical narrative rich with the colors, sounds, smells, and textures of Miami, Richard Blanco’s personal narrative is a resonant account of how he discovered his authentic self and ultimately, a deeper understanding of what it means to be American. His is a singular yet universal story that beautifully illuminates the experience of “becoming;” how we are shaped by experiences, memories, and our complex stories: the humor, love, yearning, and tenderness that define a life.

NEW: Nights at Rizzoli by Felice Picano


Nights at Rizzoli by Felice Picano
Published in January, 2015
TO READ

Salvador Dalí, Jerome Robbins, Jackie Onassis. Gregory Peck, Mick Jagger—S. J. Perelman—I. M. Pei. Philip Johnson, Josephine Baker, John Lennon: they, and so many more who made New York City the center of the universe in the 1970s, all had one thing in common besides their adopted hometown—they shopped at a legendary palace of books, music and art: Rizzoli Books at 712 Fifth Avenue. There, Kennedys and Rockefellers mingled with tourists and “regular” customers under the watchful gaze of sophisticated employees, themselves a multi-talented, international collection of artists, scholars and rogues.
Nights at Rizzoli is the memoir of Felice Picano, an aspiring but near-starving young writer who in 1971 lucked into a part-time job at the stunningly elegant store via a friend. It metamorphosed into a life-changing experience, one that exposed him to some of the brightest lights in the world’s cultural capital. At the store, he himself became a key player on a stage that opened every night to a new drama that often featured romance, at times violence, and of course always the books and their readers. And when his shift was over, in this post-Stonewall, pre-AIDS era, the handsome young bookstore manager stepped from one world into another, prowling the piers, bars and very private clubs of a different New York City.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

QUIZ: How much do you know about LGBT literature?

Goodreads Quiz
How much do you know about LGBT literature?

This quizz only has 2 possible answers for each question: you have a 50/50 chance of guessing the correct answer. Simple? Show us... and have fun! :D

taken 18 times
40 questions

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Wolf Hall by Hilary Mantel

Wolf Hall (Thomas Cromwell, #1)Wolf Hall by Hilary Mantel
My rating: 4 of 5 stars

Um dos períodos marcantes da história de Inglaterra e da Europa contada pelos olhos de Thomas Cromwel: a queda em desgraça da espanhola Catarina, a primeira mulher de Henrique VIII, em simultâneo com a ascensão de Ana Bolena e com conflito com o Vaticano que levaria à submissão da Igreja, em Inglaterra, ao poder real em primeiro lugar e só depois ao poder divino.
Nem sei bem que tem este livro de Hilary Mantel que faz com que a leitura das suas 658 páginas seja compulsiva, com que desejemos continuar a ler mais, sem coragem para parar, mesmo se o enredo é vago e conhecido da História, se os personagens são apenas delineados e pouco expressivos, e não nos identificamos com nenhum, mesmo se a escrita é peculiar e intrincada, confundindo-nos com os vários "eles", se a autora não mostra qualquer complacência com o leitor, nem facilita em nada a leitura, fazendo-nos perder e ter de voltar constantemente atrás para saber quem é quem, mesmo se temos "n" outros livros para ler? Ou talvez sejam todos estes ingredientes combinados que façam de Wolf Hall uma obra invulgar e premiada (Man Booker et al), e que me façam ter vontade de ler a sequela? Mas não já, já...

View all my reviews

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Bom-Crioulo by Adolfo Caminha

O Bom-CriouloO Bom-Crioulo by Adolfo Caminha
My rating: 4 of 5 stars

O Bom Crioulo é considerado um dos expoentes da vertente naturalista do realismo brasileiro, que se caracterizou por opor ao sentimentalismo exagerado do romantismo os impulsos biológicos e sociológicos que condicionam a natureza humana, propondo-se descrever a vida tal como ela é. Aos personagens e cenários idealizados do romantismo, em que belas donzelas morrem de amores pelos seus bravos príncipes em ambientes idílicos, responde o realismo naturalista com as fortes pulsões biológicas humanas, como a fome e o sexo, oferecendo-nos retratos vivos em que não surgem disfarçadas as mazelas da realidade, por vezes miserável, cruel e abjeta.

Em O Bom Crioulo, Adolfo Caminha escolhe para personagem principal Amaro, um imponente e lúbrico marinheiro negro, escravo fugido de uma fazenda, que se apaixona por Aleixo, um jovem e ingénuo grumete branco do seu navio de guerra. Para além de ter sido uma das primeiras obras literárias brasileiras a apresentar um negro como personagem principal, foi a primeira a ousar escolher como tema principal a homossexualidade. Robert Howes refere mesmo que O Bom Crioulo (1895), de Adolfo Caminha, em conjunto com O Barão de Lavos, de Abel Botelho, e O Senhor Ganimedes (1906), de Alfredo Gallis, “são das primeiras obras literárias modernas numa língua europeia a tratar abertamente o tema da homossexualidade masculina. (…) Em contraste com o tratamento encoberto dos romances ingleses da época, os romances portugueses eram bastante mais abertos no retrato que faziam do sexo e da sexualidade”.

Mas o livro de Adolfo Caminha destaca-se ainda por outro motivo, é o único dos três citados que é quase acrítico em relação à homossexualidade. Enquanto o barão de Abel Botelho é um pederasta que desencaminha rapazes jovens e inocentes para seu prazer sensual, e Alfredo Gallis apresenta o seu livro como um alerta às raparigas casadoiras, para que se previnam de ligações a homens que as desonrarão com os seus vícios, e aos pais, para que não aceitem para os seus filhos uma educação “errada e maricas”, contrapõe Caminha uma narrativa surpreendentemente livre de moralismos exagerados e de homofobia.

O Bom Crioulo foi recebido com escândalo pela crítica literária e com o silêncio do público, devido à ousadia de abordagem de temas tabu, como o sexo inter-racial e a homossexualidade em ambiente militar, com uma frontalidade e erotismo pouco usuais para a época. O romance foi esquecido na primeira metade do século XX mas voltaria a ser publicado na segunda metade do mesmo século, tendo posteriormente sido traduzido para o inglês, espanhol, alemão, francês e italiano. Atualmente, faz parte do programa de leituras do exame vestibular de muitas universidades brasileiras.


View all my reviews