sexta-feira, 25 de abril de 2014

Boa Noite (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena

Os Grão-CapitãesBoa Noite (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena
My rating: 5 of 5 stars

Boa noite é um conto em quatro atos, surpreendente pela sua densidade e pela profundidade da construção do seu personagem principal. No primeiro ato, os devaneios noturnos de um homem no seu quarto de umas águas-furtadas de Lisboa são interrompidos pela chegada do seu colega de quarto (e de divã) com uma prostituta que, estranhando a situação com que se depara, pergunta se está a mais. No segundo, descobrimos que o homem tem 32 anos e é, na verdade, um artista, um intelectual, um surrealista que cita Botto e Breton, que especula sobre as vantagens do sexo entre homens e discute o natural, o vício, a convenção social e a assunção do desejo (“A beleza não existe, e quando existe não dura. A beleza não é mais que o desejo premente que nos sacode… O resto, é literatura.”), tudo para impressionar um jovem e belo rapaz louro de 18 anos, que acaba por conseguir atrair ao seu quarto da mansarda. É outra vez de noite, no terceiro ato, quando o artista se gaba, exagerando, perante os amigos, à volta de uma mesa de café, das suas aventuras com o rapaz louro. Finalmente, no quarto ato, o rapaz, ainda mal refeito da experiência com o surrealista, mas sem conseguir deixar de pensar nele, deixa-se cair num banco da Avenida da Liberdade, onde é abordado por uma prostituta que o arrasta consigo com alguma dificuldade, sem lhe conseguir afastar as dúvidas sobre a natureza da sua sexualidade.

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Capangala Não Responde (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena

Os Grão-CapitãesCapangala Não Responde (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena
My rating: 4 of 5 stars

Durante a guerra colonial em Angola, três soldados ficam isolados na mata, rodeados pelo inimigo. O medo da morte, solta confissões e a agressividade masculina, que leva à provocação machista, de carácter fortemente sexual e homofóbico, e à violência física.


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O Bom Pastor (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena

Os Grão-CapitãesO Bom Pastor (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena
My rating: 3 of 5 stars

Um rapaz de uma família miserável de Gaia, vítima de violência doméstica e abuso sexual pelo padrasto, apresenta-se no quartel do Bom Pastor para o serviço militar. Mas até a tropa lhe é madrasta e, após uma altercação com outros recrutas, magro, débil e esfomeado, dá entrada na enfermaria para ser de seguida desmobilizado sem compaixão.

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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Choro de Criança (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena

Os Grão-CapitãesChoro de Criança (Os Grão-Capitães) by Jorge de Sena
My rating: 5 of 5 stars

Um homem cansado vagueia pela noite da cidade do Porto, escura e húmida, miserável, imunda e fétida. Chegam-lhe os ruídos da noite, propagando-se e ecoando pelas paredes e muros da cidade, nas margens do rio invisível: um choro de criança, um sem-abrigo que se ergue de um monte de trapos, o tchum-tá-tum-tum-tchá de um comboio que passa. Por detrás de um portão entreaberto de ferro enferrujado, ouve os sussurros abafados de duas vozes masculinas e, pouco depois, um homem e um rapaz saem cautelosamente, olhando à volta. O rapaz vê-o e pede-lhe lume…

"Choro de Criança" é um admirável conto negro: os sons, os cheiros (os maus-cheiros), a miséria, o lixo, as dores, a sexualidade pulsante e desprovida de sentimento, a impotência, o desespero, são um cenário chocante para o deambular noturno do narrador pelas ruas mais escusas do Porto. O desenlace é, também ele, negro, mas o frescor da manhã que chega e o respirar tranquilo e ritmado do seu companheiro de quarto, acalma e serena o narrador (e o leitor!).


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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Os Marginais e a Revolução by Bernardo Santareno

Os Marginais e a RevoluçãoOs Marginais e a Revolução by Bernardo Santareno
My rating: 4 of 5 stars

Quatro peças de teatro por Bernardo Santareno: "Restos", "A Confissão", "Monsanto" e "Vida Breve em Três Fotografias", todas abordando, de uma forma ou de outra, o período pós-25 de abril e a homossexualidade.

"Restos" é uma cena na vida da Misu e do Tó Mané, ambos com vinte anos, fugidos de casa, toxicodependentes, que se isolaram do mundo, desesperados, e se fecharam num quarto. Destroçados pela droga, com Tó Mané impotente ("para que serve essa coisa mole e enrugada que tens entre as pernas?!"), nem mesmo quando Zé Carlos, um amigo de Tó Mané que o quer levar para o partido comunista e de quem Misu sente ciúmes, nem mesmo quando o amigo lhes bate à porta, encontram os dois forças ou vontade para voltar ao mundo.

Em A Confissão, Bernardo Santareno coloca perante um mesmo padre, num confessionário, três mulheres em sucessão: uma mulher do povo aflita, a quem o marido bate e atraiçoa, o que a leva a aproximar-se da sua patroa comunista, e a quem o sacerdote apenas recomenda que aceite o marido e fuja do comunismo, rezando muito; Françoise, "uma mulher em corpo de homem", que a seguir ao 25 de abril começou a fazer shows de travesti, e a quem o sacerdote ordena que deixe a homossexualidade, rezando muito; e D. Filipa, uma fervorosa devota... Uma sátira acutilante à hipocrisia da Igreja Católica.

Em "Monsanto", o sr Silva, desapontado com a vida, passa uma corda por um ramo de árvore determinado a enforcar-se. Mas das sombras da noite de Monsanto surgem Zé Grilo e Amélia, cujas vidas são, essas sim, tão dramáticas que emocionam o sr Silva fazendo-o compreender a real proporção das suas aflições. No final, abraçados e rindo, decidem ir os três (Amélia, que é lésbica, incluída) “às putas.” Excelente!

"Vida Breve" é uma peça em três atos (“fotografias”), acompanhando uns dias da vida de Pedro, que fugiu de casa dos pais com 17 anos para ganhar dinheiro como prostituto no Parque de Eduardo VII, em Lisboa. Na primeira fotografia, um Senhor cobiça lascivamente um rapaz adormecido (Pedro) num banco de jardim. Na segunda, Pedro e o seu amigo Pau-Santo, um rapaz mulato repudiado pela família do seu pai branco após a chegada de Moçambique, a seguir à descolonização, assaltam uma senhora. Na terceira, Pedro e Pau-Santo desentendem-se e discutem, na presença de Formiga, uma jovem prostituta que se apaixonou por Pedro.


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Espinosa Sem Saída by Luiz Alfredo Garcia-Roza

Espinosa Sem SaídaEspinosa Sem Saída by Luiz Alfredo Garcia-Roza
My rating: 3 of 5 stars

Garcia-Roza escreve lindamente, uma prosa limpa, linear, aparentemente simples. O primeiro capítulo é, mesmo, deslumbrante, envolvendo-nos num calor quase sólido, numa evocação de um passado distante e misterioso, num sentimento de impotência! O crime é, também, intrigante... um sem-abrigo, perneta, é assassinado com um único tiro no peito no cimo de uma ladeira de um beco sem saída de um dos morros do Rio de Janeiro onde o delegado Espinosa costumava brincar quando criança. Mas o desenvolvimento pareceu-me frágil, as considerações de Espinosa sobre o crime, algo repetitivas, e o final abrupto e um tanto previsível. Um desapontamento, porque não sou grande fã de policiais, mas sobretudo porque conheço uns quantos grandes fãs espinosistas... mas não desisto já. Abre-te Uma Janela Em Copacabana!

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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Segura-te ao Meu Peito em Chamas by Possidónio Cachapa

Segura-te ao Meu Peito em ChamasSegura-te ao Meu Peito em Chamas by Possidónio Cachapa
My rating: 3 of 5 stars

As duas histórias de maior fôlego desta coletânea de contos, "O Nylon da Minha Aldeia" e "O Verde Reflexo das Videiras", são narrativas de amores proibidos em cenário de aldeia.

Na primeira, Marcelo, um jovem homossexual, é vítima dos maus tratos do pai e dos dichotes sarcásticos dos vizinhos quando se começam a aperceber dos seus tiques efeminados. Marcelo resiste, enfrentando-os altivamente, mas sofre ao perceber que Sérgio, o amigo por quem se apaixonara e que o usara sexualmente, o tinha trocado por uma flausina qualquer. É então que, a meio da noite, num dos seus refúgios favoritos, junto à ribeira, Marcelo encontra Lourdinhas, a sonâmbula da aldeia, e o canto dela apossa-se das mãos dele.
Este conto foi adaptado a cinema pelo autor, que também realizou a curta-metragem de 2012 com os atores Cristóvão Campos (Marcelo), Tomás Alves (Sérgio) e Anabela Teixeira (Lurdinhas) (trailer aqui).

Em "O Verde Reflexo das Videiras" o cenário é de verão, radioso e quente, com a luz do sol sempre presente, difundindo-se através do verde tenro das videiras ou refletindo-se nas águas dos tanques ou das ribeiras, ao contrário do outro conto do autor publicado na mesma coletânea ("O Nylon da Minha Aldeia") em que a noite e a obscuridade estão omnipresentes. Mas a história é, também, a de um amor impossível. O narrador, um homem casado, maduro, que foi para a aldeia convalescer de uma perna partida, perde-se de amores pela juventude e beleza de Ahavat (“Amei-te como se ama um potro: pela suavidade das curvas”), um adolescente que veio passar as férias com os avós. A história é contada como uma recordação boa, num tom melancólico e poético, que não pode deixar de trazer à memória a paixão de Aschenbach por Tadzio.

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quarta-feira, 9 de abril de 2014

EuroNovela by Miguel Vale de Almeida

EuroNovelaEuroNovela by Miguel Vale de Almeida
My rating: 3 of 5 stars

No cenário distópico de 2030, com a Europa imersa numa ditadura dos burocratas da EuroUnião discretamente capitaneados pelos alemães, a América em declínio político, económico e cultural, dominada pelos hispânicos e negros que empurraram os brancos para os bairros de lata, a Rússia completamente devastada por bandos de gatunos rivais que vagueiam pelo seu território, e o Japão reavivando as suas tendências hegemónicas sobre a Ásia, Eyup e Manuel, um casal homossexual, evadem-se de uma das ilhas-fortaleza da EuroUnião para se juntarem aos EuroCépticos, tentando em Lisboa seduzir Maria, uma tradutora A42TCL que está a trabalhar nos Planos do Novo Mundo.

Uma primeira incursão de Miguel Vale de Almeida no campo do romance e do sci-fi que, apesar de ter sido premiada com o Prémio Caminho de Ficção Científica, revela ainda um autor pouco maduro no campo da escrita ficcional, embora criativo e divertido.

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