domingo, 16 de dezembro de 2018

Frederico Paciência by Mário de Andrade

Frederico PaciênciaFrederico Paciência by Mário de Andrade
My rating: 4 of 5 stars

Juca, um rapaz maroto, sente-se atraído pelo belo Frederico Paciência, e fica surpreendido por ser correspondido. Nem um nem outro compreendem a natureza dessa atração, chamando-lhe amizade talvez por não saberem, ou não terem sequer a capacidade para saber, que se trata de amor.
Um conto lindamente escrito, com grande sensibilidade e nostalgia, uma espécie de testamento sentimental de Mário de Andrade.

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A Lisboa de Eça de Queiroz A Lisboa de Eça de Queiroz by Marina Tavares Dias

A Lisboa de Eça de QueirozA Lisboa de Eça de Queiroz by Marina Tavares Dias
My rating: 3 of 5 stars

Uma coleção de fotos e gravuras sobre Lisboa, do século XIX e, por isso, contemporâneas de Eça de Queiroz, "comentadas" por excertos de obras do próprio Eça. O livro está organizado por zonas da cidade (Rossio, Chiado, etc.) e por categorias temáticas (cafés, hotéis, etc.). Contém também uma boa Introdução e a republicação de um texto de interessante sobre Lisboa que Eça publicou, ainda jovem, na "Gazeta de Portugal".
Trata-se de uma obra interessante. No entanto, para fotos antigas inéditas da cidade, associadas a uma investigação profunda e bem documentada sobre os locais, edifícios ou negócios, recomendo dois blogues extraordinários: Restos de Coleção e Lisboa de Antigamente.

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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Carnaval no fogo by Ruy Castro

Carnaval no fogoCarnaval no fogo by Ruy Castro
My rating: 4 of 5 stars

A escrita de Ruy Castro é descontraída e calorosa, tal como o Rio, e, tanto ou mais do que as histórias sobre a história, sobre os cariocas, sobre a "garota de Ipanema" ou sobre a cidade, as suas praças, jardins e bairros, é ela própria um retrato apaixonado da "cidade maravilhosa".

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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Os Gémeos de Black Hill by Bruce Chatwin

Os Gémeos de Black HillOs Gémeos de Black Hill by Bruce Chatwin
My rating: 4 of 5 stars

A vida de dois gémeos inseparáveis e idênticos em quase tudo, exceto nalguns aspetos da personalidade (um extrovertido, com vontade de namorar e casar, outro introvertido, quase com medo das mulheres), que vivem na fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales.

Mais do que a história dos gémeos, o que é mais interessante neste livro é a escrita lisa e enxuta de Bruce Chatwin, interessada só nos factos, com uma frieza quase científica que apenas se deixa levar pela emoção já quase no final, com a prenda dos 80 anos que o sobrinho-neto engendra para os gémeos. Curiosamente (ou propositadamente), é a ausência de emoção ao longo do texto que faz com que a sua aparição inesperada quase no final tenha um efeito mais marcante, como se nos fosse dado a assistir a uma enorme explosão de fogo de artifício inesperada e bela.

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domingo, 19 de agosto de 2018

Um Diário Russo by John Steinbeck

Um Diário RussoUm Diário Russo by John Steinbeck
My rating: 4 of 5 stars

Logo no pós-guerra, John Steinbeck e Robert Capa conseguem autorização para visitar a União Soviética e, surpreendentemente, ao ficarem sob o patrocínio da Liga dos Escritores e não da dos Jornalistas, deixam-nos sair de Moscovo e visitar outras regiões. Nem um nem outro queriam discutir a política ou as tensões que existiam a nível militar e geo-estratégico entre as duas potências rivais. Queriam sim saber como era o povo, como vivia, o que pensava, fotografá-lo e escrever sobre ele.

Encontram cidades ainda em ruínas, mas um povo determinado em reconstruir e refazer as suas vidas. E descobrem que, sendo gigantesca, a federação soviética é um mosaico de gentes, de temperamentos (mais sombrios e distantes em Moscovo, mais alegres e calorosos na Geórgia) e de geografias e climas (continental em Moscovo e tropical na costa do Mar Negro).

É curioso verificar que Steinbeck parece confundir Rússia com União Soviética. Com efeito, mesmo o título do livro deveria ser "Um Diário Soviético", uma vez que talvez metade do mesmo seja dedicado à descrição das visitas à Ucrânia e à Geórgia. E também é curioso verificar que algumas das suas experiências parecem aquelas visitas programadas, com objetivos propagandistas, que se faziam através da Associação de Amizade Portugal-União Soviética, onde os visitantes eram levados a escolas ou fábricas modelo, em nada representativas da vida da generalidade dos cidadãos. Steinbeck e Capa andaram sempre acompanhados por um "tradutor oficial" nas suas visitas. Por exemplo, quando viam as prateleiras das lojas vazias e as longas filas que se formavam e que logo esgotavam qualquer que fosse o produto que chegava ao estabelecimento, logo lhes explicavam que era o resultado da destruição das fábricas durante a guerra e que um futuro radioso e de abundância esperava os povos soviéticos. Tal não se veio a confirmar, infelizmente, como todos sabemos. Mas Steinbeck parece perceber que as coisas não são bem como lhas apresentam, e vai-nos avisando frequentemente que só escreve aquilo que vê e que lhe contam.

O livro é muito interessante e lê-se num fôlego, mesmo se algumas passagens são excessivamente diarísticas ("fomos para o hotel", "viemos do aeroporto", "almoçámos bem",...). As fotos de Robert Capa enriquecem a obra, apesar das restrições e da censura que as autoridades soviéticas lhe impuseram. Mas é a escrita de Steinbeck que é central, sobretudo quando Steinbeck aplica o seu apurado sentido de humor e a sua penetrante ironia, por vezes em relação a si próprio e a Robert Capa.

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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Retrato de uma Família Portuguesa by Miguel Rovisco

Retrato de uma Família PortuguesaRetrato de uma Família Portuguesa by Miguel Rovisco


As tropas francesas estão prestes a entrar em Lisboa, em novembro de 1807, com o general Junot ao comando. O Tejo está repleto de navios, que embarcam apressadamente a família real e a corte que a acompanha na fuga para o Brasil. A cidade está em grande agitação, todos correndo, todos tentando lugar nos navios que partem, para si e para os seus pertences. Na casa já quase vazia de uma família (burguesa) portuguesa, nesta hora da verdade, emergem as verdades escondidas, as paixões inflamadas, as invejas, a coragem e a cobardia.

Um excelente retrato de um certo Portugal, talvez um pouco influenciado pelo clima de pessimismo e falta de amor-próprio da época em que foi escrito, que nos deixa um autor tão promissor que decidiu partir tão cedo, aos 27 anos.

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Tempo de silêncio by Patrick Leigh Fermor

Tempo de silêncioTempo de silêncio by Patrick Leigh Fermor
My rating: 4 of 5 stars

Patrick Leigh Fermor, numa daquelas fases de bloqueio mental, em que não consegue escrever, decide passar umas semanas de "desintoxicação" no convento da abadia beneditina de Saint Wandrille. Nos primeiros dias, na sua cela, sente-se deprimido e angustiado, com o isolamento, a falta de distrações, a vida rigorosa e austera, as regras bem definidas que mesmo os visitantes devem cumprir. Mas depois começa a dormir bem e a acordar cheio de energia. E começa a sentir-se livre das responsabilidades do dia-a-dia, dos compromissos sociais, dos pensamentos e cogitações que se sucediam antes, ininterruptamente, na sua cabeça. E começa a apreciar a calma e boa educação dos monges, a beleza dos bosques que rodeiam o mosteiro, e o silêncio, que só é interrompido pelos sons da Natureza. E começa a escrever, de novo, e com prazer! E tão simples e óbvio parece tudo, que nos dá vontade de experimentar também, de entrar, por uns tempos, para um convento beneditino ou budista...

Outro dos motivos de interesse do livro é a resposta que o autor nos dá para a pergunta que se nos coloca a todos: o que levará estes homens e mulheres a aceitarem uma vida dura de oração e trabalho e isolamento, abdicando dos "prazeres" da vida, do amor, do casamento e do sexo? Se os beneditinos levam uma vida rigorosa, os trapistas, que o autor visita a seguir, são ainda mais "radicais" e despojados, mas ambos o fazem pela mesma razão que, obviamente, não irei aqui revelar. É que vale mesmo a pena ler o livro!


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quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O Capitão Nemo e Eu: crónica das horas aparentes by Álvaro Guerra

O Capitão Nemo e Eu: crónica das horas aparentesO Capitão Nemo e Eu: crónica das horas aparentes by Álvaro Guerra
My rating: 2 of 5 stars

Um livro de memórias de guerra, contado a partir do que parece ser o despertar de uma anestesia, num hospital, depois de uma intervenção cirúrgica. Parece escrito como se fosse um fluxo de consciência, desordenado, fragmentário, por vezes poético, por vezes incoerente.

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A Missa do Galo by Paul Bowles

A Missa do GaloA Missa do Galo by Paul Bowles
My rating: 4 of 5 stars

Pequenos contos sobre episódios, quase todo sobre a vida de ocidentais em Marrocos, quase todos muito interessantes e curiosos, e com tão fino sentido de observação que parecem cenas vividas pelo próprio Bowles.

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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Um Jeep em Segunda Mão by Fernando Dacosta

Um Jeep em Segunda Mão; A SúplicaUm Jeep em Segunda Mão; A Súplica by Fernando Dacosta
My rating: 4 of 5 stars

Uma edição que junta três guiões cinematográficos de Fernando Dacosta: "Um Jeep em Segunda Mão", "A Súplica" e "Um Suicídio sem Importância".

Das três, a peça de maior fôlego é a que dá o título à coletânea. Quatro ex-soldados da guerra colonial juntam-se numa lugarejo deserto (presumivelmente no Alentejo) e relembram as suas experiências de África, que os uniram numa forte amizade, tanto mais valorizada quanto mais as suas vidas pessoais na atualidade são praticamente um desastre. Com o decurso da noite, e o aumento do nível de álcool e de "erva" no corpo, a verdade mistura-se com as memórias, e os quatro são transportados ao passado, num sonho de emoções e ação que terá consequências desastrosas.
A transição do momento presente para o sonho, para o reviver do passado, é tratado magistralmente pelo autor, e só por isso já mereceria a leitura da peça. Mas também a construção dos personagens merece elogios. São todos personagens muito credíveis (um mais rico não exibicionista, um homem sisudo e marcado pela vida, um homossexual que faz travesti para ganhar a vida, um otimista e falador, apesar de ter perdido uma perna na guerra), tal como é credível a relação forte entre os quatro personagens, sem resquícios de classismo entre ricos e pobres, ou de moralismo contra o homossexual. Trata-se de uma relação que foi solidificada na guerra, ou que só uma guerra, ou uma provação comum muito forte conseguiria forjar. Muito bem, portanto, este "Jipe em Segunda Mão".

Já as outras duas são peças de menor dimensão, sendo a primeira, "A Súplica", um monólogo em que uma mulher suplica à sogra e ao filho que perdoem o marido, que se assumiu como realmente era, depois de lhes ter escondido algo (presumivelmente a sua homossexualidade) durante toda a vida. O importante é amar, diz a mulher, não importa a quem. Finalmente, a terceira peça, "Um Suicídio sem Importância", é um texto curto sobre o controlo dos media pelo poder político.


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terça-feira, 10 de julho de 2018

Orfeu da Conceição by Vinicius de Moraes

Orfeu da ConceiçãoOrfeu da Conceição by Vinicius de Moraes
My rating: 3 of 5 stars

O mito de Orfeu e Euridice transportado por Vinicius de Moraes para um morro de favelas do Rio de Janeiro, apenas com personagens negros. Como não podia deixar de ser, os diálogos são poéticos e musicais. As notas de cena são muito extensas, com música para violão e samba, ruídos de rua e da natureza, amanhecer coloridos e noites escuras... Foi levado à cena uma vez, em 1956, a custas do autor, com cenários de Oscar Niemeyer e música de António Carlos Jobim. Deve ter sido um espetáculo extraordinário! Será que fizerem alguma gravação?

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O Vice-Rei de Ajudá by Bruce Chatwin

O Vice-Rei de AjudáO Vice-Rei de Ajudá by Bruce Chatwin
My rating: 4 of 5 stars

A biografia romanceada de Francisco Félix de Souza (no livro Francisco Manoel da Silva) um influente escrivão da Feitoria de Ajudá que deixou uma prole imensa.

A prosa de Chatwin é lisa e concentrada e deixa-nos um sabor a pouco. Gostaríamos de poder saber mais e em mais detalhe sobre a vida daquela gente e sobre a sua época.

Apesar de conseguir distanciar-se sobriamente, relatando factos e evitando ser moralista ou faccioso, ao lermos "O Vice-Rei de Ajudá" não podemos deixar de pensar que nós, portugueses, continuamos a varrer para debaixo do tapete essa passagem importante da história de Portugal, que tanto nos envergonha, a do tráfego de escravos. Escandalizamo-nos com o holocausto nazi, com as limpezas étnicas em alguns países africanos, com o radicalismo religioso islâmico, com o apartheid na África do Sul, mas nunca, como diz Miguel Vale de Almeida, fomos capazes de fazer um esforço de Verdade e Reconciliação, nem, como diz também Vale de Almeida, de reconhecer que, apesar de afirmarmos e (pior!) pensarmos o contrário, somos uma sociedade profundamente racista.

Nota: vale a pena ouvir a entrevista de Miguel Vale de Almeida: "Ninguém imagina (de verdade) um português negro"

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No Coração de Bornéu by Redmond O'Hanlon

No Coração de BornéuNo Coração de Bornéu by Redmond O'Hanlon
My rating: 4 of 5 stars

Uma equipa de exploradores inesperada, constituída por um poeta laureado (James Fenton) e um especialista em literatura inglesa do século XIX (Redmond O'Hanlon, o autor), partem para os confins da selva inexplorada à procura do elusivo rinoceronte do Bornéu. Vão numa canoa, guiada por três homens das tribos iban, através de rápidos cada vez mais difíceis de ultrapassar. Mas são dois "sportmen" ingleses, que encaram fleumaticamente todas as contrariedades com bom-humor e sem lamentações. Apesar dos desafios que têm pela frente, serpentes venenosas, picadas dolorosas de formigas, possibilidade de inundações rápidas ou mesmo de se depararem com alguma tribo perdida dos temíveis canibais que habitavam a zona, James segue tranquilamente na canoa lendo poesia clássica e Redmond tem sempre capacidade de se rir das encrencas em que se vê metido.

Mas o seu deslumbramento pelas maravilhas que encontram na floresta virgem é contagioso, as nuvens de borboletas que os cobrem em busca de se alimentarem delicadamente da sua transpiração, o voo dos casais de calaus por entre as copas das árvores, os ruídos e as cores do despertar da vida a cada manhã. É com o coração apertado que lemos a descrição do último olhar apressado do autor ao reduto mais longinguo e virgem onde chegou e de onde tem de fugir apressadamente devido à subida rápida das águas do rio. É como a lágrima que o rei mouro deixou escorrer pela face quando, do alto da estrada que o levará a África, olha pela última vez para a sua amada Alhambra, que deixa para trás, depois de derrotado pelos reis católicos.

E esse mundo selvagem e belo que O'Hanlon visitou em 1983 já desapareceu. Nas fotos de satélite das aplicações de mapas da Google e da Microsoft vêm-se hoje estradas que penetram até às zonas mais isoladas e zonas de exploração madeireira e clareiras de árvores cortadas na floresta e barragens. Os delicados ecossistemas que tanto maravilharam o autor e nos maravilharam a nós desapareceram, talvez para sempre.

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

The New Granta Book of Travel by Liz Jobey

The New Granta Book of TravelThe New Granta Book of Travel by Liz Jobey
My rating: 5 of 5 stars

Uma antologia de pequenas histórias de viagens, com uma grande diversidade de temas e estilos de escrita, que é o que uma antologia deve ser e que é parte do enorme interesse que este livro teve para mim. A outra parte, a maior, são os temas, por vezes surpreendentes mas quase sempre interessantes, que os autores abordam.
Já não são apenas relatos da exploração de partes remotas do mundo ou das primeiras grandes viagens de turismo de abastados europeus e americanos fazendo o seu "grand tour" das civilizações clássicas. Agora, os autores levam-nos a "viajar" a pequenos recantos irrelevantes, a "presenciar" acontecimentos marcantes, a "visitar" lugares na história ou mesmo nas mentalidades, até às ruas da prostituição barata da Tailândia (Lovely Girls, Very Cheap, de Decca Aitkenhead), a uma pequena cidade dos EUA, como tantas outras, que apenas se distingue por estar exatamente no centro do país (This is Centerville, de James Buchan), pelo vale do Mississipi abaixo durante uma das suas poderosas enchentes (Mississipi Water, Jonathan Raban), pela Sibéria pós-comunista (Siberia, de Colin Thubron), ao que significa ser homossexual numa tribo de índios do Amazonas (The Life and Death of a Homosexual, de Pierre Clastres), ao seio de um grupo de "terroristas" iraquianos (Osama's War, de Wendell Steavenson), atraídos a uma "tourist-trap" nas florestas do Congo (The Congo Dinosaur, Redmond O'Hanlon), a devolver um biscoito roubado da cabana do explorador Robert Scott, na ilha de Ross, Antárctida (Captain Scott's Biscuit, de Thomas Keneally) ou simplesmente numa saída noturna mágica, e um pouco louca, a uma montanha gelada do noroeste da Inglaterra durante um temporal de neve violento (Nightwalking, por Robert Macfarlane).
Concedo que muitas vezes estas histórias parecem-se mais com artigos de jornalismo do que com literatura de viagens, mas não me importo: fazem-me sonhar e ansiar por sair do conforto do sofá onde leio este livro, para descobrir mundos desconhecidos e empolgantes.

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sexta-feira, 1 de junho de 2018

Granta 10: Travel Writing by Bill Buford

Granta 10: Travel WritingGranta 10: Travel Writing by Bill Buford
My rating: 4 of 5 stars

Depois da II Grande Guerra Mundial, quando todos pensavam definitivamente enterrada a era das grandes viagens e explorações pelo mundo, e com ela a literatura de viagens, a Granta e Bill Bufford, demonstraram que este género literário ainda não tinha morrido e tinha espaço para se reinventar. Já não se tratavam agora das grandes epopeias de aventura e descoberta, procurando civilizações perdidas (como em "A Estrada para Oxiana" de Robert Byron ou "Um Gentleman na Ásia" de Somerset Maugham) ou tentando alcançar zonas remotas e inóspitas, (como em "Farthest North" de Fridjtof Nansen, ou "The Worst Journey in the World" de Ashley Cherry-Garrard). As experiências dos novos escritores de viagens passaram a ser agora mais pessoais e limitadas. Afinal, o mundo já estava completamente descoberto! Para além de serem contadas na primeira pessoa, estas novas histórias de viagens partilham com os clássicos de outrora o poder de nos empolgar, de nos deixar cheios de vontade de deixar os sofás das nossas vidas monótona para partirmos à descoberta de novas maravilhas. Em vez de nos levarem a descobrir o Polo Sul ou a Transoxiana, estes novos escritores de viagens (Chatwin, Morris, O'Hanlon, Theroux, Thubron, Lewis...) colocam-nos em cenários modernos, por vezes dramáticos, como guerras e golpes de estado, mas outras vezes quase irrelevantes, como a rivalidade entre duas pequenas aldeias italianas, a estrada US281 que atravessa o Texas de norte a sul ou um campo de treinos militar. São por vezes histórias de descoberta do outro, mas muitas vezes também histórias de descoberta pessoal.

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segunda-feira, 14 de maio de 2018

Descobri que era Europeia by Natália Correia

Descobri que era Europeia: Impressões de uma Viagem à AméricaDescobri que era Europeia: Impressões de uma Viagem à América by Natália Correia
My rating: 3 of 5 stars

Sem o imaginar, nestas suas memórias de uma viagem aos Estados Unidos da América, Natália Correia faz um retrato do país atrasado que Portugal era em 1950, onde mesmo uma intelectual rebelde, como a poetisa o era, defende ideias excessivamente conservadoras para os padrões dos nossos dias. Um livro muito interessante e revelador.

Nota: a qualidade desta edição é muito má, com inúmeras e irritantes gralhas ortográficas (mais do que uma por página...). A evitar!

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domingo, 6 de maio de 2018

O Rio da Consciência by Oliver Sacks

O Rio da ConsciênciaO Rio da Consciência by Oliver Sacks
My rating: 4 of 5 stars

Um conjunto de ensaios muitíssimo interessantes, esclarecedores e, por vezes, surpreendentes, sobre a perceção, a consciência, o tempo e a memória , que nos obrigam a repensar muitas das certezas que temos.
Destaco:
"Velocidade": sobre a perceção que temos da velocidade e da escala temporal, onde Sacks inclui o exemplo de pacientes neurológicos para os quais o tempo passa em câmara lenta, como no filme "Matrix", quando o herói se desvia das balas, ou o exemplo das pessoas sujeitas a perigo de morte que recordam em poucos segundos toda a sua vida.
"A Falibilidade da Memória", em que o autor nos conta, por exemplo, como se lembrava nitidamente de uma bomba que caíra no jardim das traseiras da casa dos seus pais, em Londres, durante a II Guerra Mundial, e do pânico que se seguira, para descobrir pelo irmão, muitos anos mais tarde, que não estava em Londres nessa altura.
"O Eu Criativo", sobre o plágio nas artes.
"Escotoma: Esquecimento e Incúria na Ciência" sobre como certas descobertas científicas são esquecidas e voltam a ser redescobertas anos mais tardes, quase como se o fossem pela primeira vez.

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domingo, 8 de abril de 2018

O Céu Que nos Protege by Paul Bowles

O Céu Que nos ProtegeO Céu Que nos Protege by Paul Bowles
My rating: 5 of 5 stars

Quando começa a sua viagem em direção ao interior do deserto do Saara, Kit tem um presságio, uma premonição que não consegue compreender, mas que a atormenta por acreditar que algo de muito mau está para acontecer. E o seu presságio concretizar-se-á implacavelmente, como um rio que corre para o mar ou uma vida que se extingue inexoravelmente com a morte. Esta viagem que o casal Kit e Port empreende em direção ao desconhecido é a viagem que todos fazemos em direção ao futuro e à morte. Quando Kit se depara com o inevitável, recusa-se a aceitar, não quer pronunciar as palavras dolorosas, não quer sequer pensá-las. Kit sabia o que estava para acontecer, embora não tivesse consciência de o saber. Então, abandona-se às emoções mais básicas, deixa-se levar sem pelo deserto, deixa-se transformar no objeto de prazer de Belqassim. Quando até mesmo isso perde, Kit foge da prisão que aceitara voluntariamente e desaparece envolta em mistério.

O livro termina, mas nós ficamos a sentir que mesmo que tivesse escrito mais páginas, Paul Bowles não nos deixaria saber mais nada sobre Kit, que Kit ficaria para sempre esquecida, por toda a eternidade, e esse é o destino que todos pressentimos, sem o aceitarmos, que será o nosso. Paul Bowles é magistral em "O Céu que nos Protege" e criou personagens que, ao contrário do que acontece no livro, dificilmente serão esquecidos.

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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O Grande Bazar Ferroviário by Paul Theroux

O Grande Bazar FerroviárioO Grande Bazar Ferroviário by Paul Theroux
My rating: 4 of 5 stars

O relato de Paul Theroux de uma grande viagem de comboio que fez em 1973, com partida e chegada a Londres ("todas as viagens são circulares"). Atravessado o Canal de ferry (ainda não havia túnel), segue pelo Expresso do Oriente e depois atravessa a Turquia e o Irão. Segue-se o Paquistão (não há comboios no Afeganistão) e vários percursos na Índia, com um saltinho ao Ceilão. Sem ligação da Índia para o Sudeste Asiático e, no Sudeste Asiático, sem ligações entre países, Theroux faz vários percursos dentro de cada país, incluindo no seu roteiro a Birmânia, a Tailândia, Singapura e o Vietname em guerra. A China estava ainda interdita, pelo que o autor voa até ao Japão, onde circula de Norte a Sul em comboios que quase parecem os aviões que ele detesta, e daí para a Rússia, numa travessia agitada de barco, de onde regressou à Europa no Transsiberiano.

Muitos meses sobre carris de caminho-de-ferro cansam mesmo os grandes viajantes de comboio, como Theroux, que não consegue esconder que a travessia da Rússia no Transsiberiano, que nos parece uma aventura de primeiro calibre, já lhe foi penosa. Quanto ao percurso de Moscovo a Londres, ocupa talvez menos de uma página.

Curiosamente, o autor não perde tempo a falar dos locais por onde passa, está mais interessado em descrever a própria viagem: os comboios, a paisagem que corre do lado de fora das janelas e, sobretudo, as pessoas que vai encontrando no comboio. O livro está recheado de pequenos episódios, alguns muito divertidos, outros muito interessantes, passados com as pessoas que lhe entram pelo compartimento adentro ou que se sentam à sua mesa no vagão-restaurante. E é com este mosaico de histórias que Theroux consegue ir fazendo um retrato dos povos e, de alguma forma, da própria humanidade.

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