domingo, 25 de dezembro de 2016

Oito Minutos by Fabiula Bortolozzo

Oito MinutosOito Minutos by Fabiula Bortolozzo
My rating: 4 of 5 stars

Com "Oito Minutos", Fabiula Bortolozzo consegue mais um belo romance de enquadramento histórico e suspense, duas características que já começam a afirmar-se como a sua marca pessoal. Mas enquanto "Bella Donna" nos faz evocar um quadro de John Singer-Sargent, colorido e brilhante, sobre a vida das mulheres nos conventos venezianos da época dos Doges, em "Oito Minutos" Fabiula leva-nos para um cenário de "film noir", uma vilória à beira de uma enseada, de localização incerta, longínqua, mas mesmo assim familiar, onde a narradora chega num dia de tempestade. E este cenário é o espelho perfeito que reflete (ou compõe) a personalidade de Clarissa, uma mulher bela, enigmática, nebulosa, por quem a narradora se sente imediatamente atraída, mas que tem recantos psicológicos escuros que a narradora se sente obrigada quase compulsivamente a explorar.

View all my reviews

António Variações. Entre Braga e Nova Iorque by Manuela Gonzaga

António Variações. Entre Braga e Nova IorqueAntónio Variações. Entre Braga e Nova Iorque by Manuela Gonzaga
My rating: 2 of 5 stars

António Variações foi uma supernova que cintilou por um breve instante sobre Portugal. Foi intenso, criativo, um pouco ingénuo talvez, muito original. Iluminou com cores inesperadas e brilhantes a música e a televisão dos anos 1980. Numa sociedade conservadora, em que poucos ousavam ser diferentes, António Variações era quase irreal: um barbeiro homossexual que compunha letras e músicas, que as cantava e dançava ele mesmo, que criava as roupas que vestia, ou que se apresentava quase despido, um homem que cuidava do corpo e da cara, que deixava crescer a barba e até se pintava (talvez um vídeo valha mais que muitas palavras!). Surpreendentemente, apesar de desdenhado pelos "intelectuais", teve a coragem de ser igual a si próprio: extravagante, irreverente, transgressor, queer.

Um homem assim merece uma biografia, pois claro! Quem era? O que pensava? Quem amou? Quem odiou? O que o levou a ser quem era? Como se definia a si próprio? Que objetivos tinha na vida? Que sentiu pela guerra colonial, em que participou? Que se passou em Londres e Amesterdão? Como descobriu a sua sexualidade e como a viveu? E quando viu a morte pela frente?

A um biógrafo pede-se que nos faça entrar na "pele" do biografado, que nos faça sentir como ele sentiu e que nos explique porquê. Infelizmente, a voz de António Variações raramente se ouve nesta biografia de Manuela Gonzaga. E quando se ouve, é abafada pelo "ruído" da infindável transcrição de entrevistas e artigos de jornais e revistas, muitas repetindo o dito (Lena de Água conta duas vezes que António a chamava por "Aguinha"), por secções inteiras sobre a vida do país (as marcas de pastas de dentes que se usavam então, Binaca, Pasta Medicinal Couto e Dentosan, sem que se perceba se António usava alguma), pelos extensos enquadramentos históricos impessoais (sobre a guerra no Vietname, por exemplo, sem que se explique o que pensava António sobre a mesma), ou, por uma página inteira listando nomes de artistas de teatro e revista, apenas para dizer que António foi ao Parque Mayer uma vez com a irmã, e que a irmã riu muito, mas que ele não era muito de rir, etc., etc.

É claro que muitos destes detalhes serão interessantes para quem se interessa por história ou sociologia. Mas são frustrantes para quem está curioso e quer saber mais sobre o homem que foi António Variações e se depara com um repositório de textos ordenados cronologicamente, alguns dos quais só remotamente relacionados com o biografado. Um bom revisor aconselharia a cortar muito (muito!), a responder a todas as perguntas que ficaram por responder, e a contar mais e melhor sobre esse homem único que foi António Variações.

View all my reviews

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Onde Todos Observam by Megan Bradbury

Onde Todos ObservamOnde Todos Observam by Megan Bradbury
My rating: 3 of 5 stars

Nova Iorque: onde todos observam e são observados. Instantâneos da vida de protagonistas do grande drama que é Nova Iorque, Mapplethorpe e Patty Smith, Edmund White, Walt Whitman, Robert Moses e outros que com eles se cruzam, famosos ou simples figurantes, como os banhistas de Jones Beach ou os defensores das árvores e do forte Clinton de Battery Park.

Megan Bradbury escreve como quem descreve fotografias ou pequenos filmes, um capítulo para cada "imagem", quase aleatoriamente. Todos os capítulos são muito curtos, tal como as frases que os compõem, quase telegráficas. O conjunto é um grande mosaico de Nova Iorque, ou uma manta de retalhos, em que todos os quadrados são feitos com um restinho de lã diferente.

View all my reviews

Noites Antigas - 2º vol. by Norman Mailer

Noites Antigas - 2º vol.Noites Antigas - 2º vol. by Norman Mailer
My rating: 4 of 5 stars

Menenhetet, continua o relato das suas quatro vidas, na primeira das quais foi cocheiro de Ramsés II, mas também zelador do palácio das pequenas rainhas e guardador oficial do segredo. Ao contrário do primeiro volume, este apresenta um enredo mais linear e a estranheza, que nos choca e surpreende no primeiro, quase está ausente. Quase! Porque as últimas páginas, a jornada até à Terra dos Mortos, são sublimes, caóticas, explosivas, sensoriais, um quadro de Jerónimo Bosch transformado em palavras! Sinto que, por si só, estes últimos capítulos justificam a leitura do livro.

"Vogamos através de domínios apenas entrevistos, varridos pelas vagas do tempo. Sulcamos campos de magnetismo. O passado e o futuro entrechocam-se em nuvens de trovoada e os nossos corações mortos vivem com o relâmpago nos ferimentos dos deuses." (último parágrafo)

View all my reviews

Noites Antigas - 1º vol. by Norman Mailer

Noites Antigas - 1º vol.Noites Antigas - 1º vol. by Norman Mailer
My rating: 4 of 5 stars

No Antigo Egito, somos magistralmente transportados por Norman Mailer para um universo que nos é completamente desconhecido e onde os nossos referenciais são impiedosamente desarticulados. Não sabemos se estamos entre deuses, fantasmas, vivos ou mortos. Ouvem-se as vozes, mas também os pensamentos. Na primeira seção do livro, tudo é sombrio e nem sequer o tempo flui ordenadamente. Depois, o autor lança-nos na descrição de episódios marcantes da vida e personalidade de Ramsés II pela voz do seu amado cocheiro Menenhetet. Ambos participam na épica batalha de Kadesh e Menenhetet acaba por se deixar atrair pela rainha principal, Nefertari...

Este primeiro volume lê-se em um fôlego e fica-nos a pairar na mente, poderoso, em imagens fortes. Mas exige que nos abandonemos a ele, sem protestar muito...

View all my reviews