domingo, 21 de setembro de 2014

Teleny by Oscar Wilde

TelenyTeleny by Oscar Wilde
My rating: 4 of 5 stars

Camille de Grieux apaixona-se por René Teleny, um pianista com quem estabelece uma relação quase metafísica quando o ouve pela primeira vez num concerto de beneficência. Tenta resistir à paixão que o assola, mas não consegue, e cai nos braços do pianista, com o qual tem sessões prolongadas de sexo tórrido. Mas não sente vergonha ou aversão por se ter apaixonado por outro homem: "Sentia-me alegre, contente, feliz. Teleny era meu amante e eu dele. Longe de sentir vergonha pelo meu crime, apetecia-me anunciá-lo ao mundo inteiro. Pela primeira vez na vida, compreendia a alegria dos apaixonados que entrelaçam as suas iniciais. Desejava gravar o nome dele no tronco de uma árvore, para que as aves, ao vê-lo, o cantassem de manhã à noite e a brisa o murmurasse às folhas que povoam a floresta. Queria escrevê-lo na areia da praia, para que o oceano conhecesse o meu amor e o sussurrasse eternamente.". Mas, com a paixão vem a inveja e o ciúme, de Briancourt e outros amigos de Teleny, mas também da senhora de Grieux, a mãe de Camille, que não permanecerá impassível à situação em que suspeita o filho...

Um romance pornográfico? uma romance com cenas de pornografia? De uma forma ou de outra, um romance primeiro que tudo, sem dúvida, sendo a pornografia apenas um elemento secundário. Mas são cenas de pornografia, para todos os efeitos, hetero e homossexual, embora escritas com grande elegância e com um exagero quase barroco. As primeiras edições, no final do século XIX, foram muito pequenas e de circulação restrita por isso mesmo: a homossexualidade ainda era crime punido com prisão em muitos países! A autoria da obra, por outro lado, nunca foi completamente esclarecida, havendo fortes suspeitas que o manuscrito tenha saído da pena de Oscar Wilde. O enredo prende desde as primeiras páginas, até porque o esquema narrativo encontrado pelo autor (Camille conta as suas memórias em discurso directo), faz pressentir no tom melancólico e doloroso da voz do narrador que alguma tragédia está para acontecer. Algumas passagens são realistas, vívidas e sensoriais (a cena noturna em que Camille deambula por uma zona de engate homossexual), outras mais românticas e místicas (há quem diga que mais de um autor esteve envolvido na escrita), mas o conjunto é muito bom e o final emocionante.

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terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Sr. Ganimedes by Alfredo Gallis

O Sr. GanimedesO Sr. Ganimedes by Alfredo Gallis
My rating: 4 of 5 stars

O Sr. Ganimedes é um dos primeiros romances em língua portuguesa que fala abertamente de homossexualidade (embora em tom condenatório...), tomando-a para tema central do enredo, na senda de "Sáficas", do mesmo autor, de "O Barão de Lavos", de Abel Botelho, e de "O Bom Crioulo", de Adolfo Caminha. Segundo Robert Howes, esta "coragem" dos autores de língua portuguesa parece ser pioneira na Europa. Com efeito, nesta época, em finais do séc. XIX, princípios do XX, o tema ainda era tão escandaloso que nenhum autor ousava utilizá-lo nos seus romances. Teleny, de Wilde, foi publicado anonimamente, Maurice, de Forster, só foi publicado após a morte do autor, etc...
Gallis pinta um quadro curioso dos costumes e da linguagem da época (o baile de máscaras no São Carlos, o Lazareto na margem sul, para quarentena dos que chegavam no paquete do Brasil, etc.), numa escrita muito floreada e adjetivada ("a perna magnífica, roliça, musculosa, bem torneada", "as curvas opulentas dos quadris e a elevação venusina dos seios", "os pequeninos pés admiravelmente talhados", etc.).
Curiosamente, apesar do tom moralista, de aviso às damas inocentes sobre os perigos de casar com esses imorais efebos, o romance acaba com a dama inocente a cair em pecado, e o horrível efeminado nos braços do seu amado!
Um livro a ler, até pela sua importância histórica!


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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Os sinais do medo by Ana Zanatti

Os sinais do medoOs sinais do medo by Ana Zanatti
My rating: 3 of 5 stars

Rosarinho deixa o marido, Vasco, de quem já não se sentia próxima e cai numa depressão de quem nem a lembrança da falecida tia Flávia a ajuda a sair. Paulo, oprimido pelos pais tiranos, abre-se finalmente com a sua amiga Rosarinho, contando-lhe que está apaixonado por outro homem, Luís, acabado de se divorciar de Teresa, que o havia descoberto com outro homem. Luís, pai de Mariana, é, por sua vez, amigo de Rita, uma mulher decidida, que tenta superar o esfriamento súbito da sua relação com Cristina, apoiando-se na memória da falecida tia Maria do Carmo, que adorava. Quando Paulo e Luís têm um acidente no Alentejo, o círculo completar-se-á mas os vários desfechos nem sempre serão positivos...

Aviso prévio: "as minhas leitoras" que me perdoem, mas aprecio mais a escrita que, ao invés de descrever "sentimentos", descreve as "ações" que me permitem compreender por mim próprio o que os personagens sentem, vestir-lhes a pele. Reconheço que esta preferência é pessoal e, talvez, muito "masculina". Apesar de ter tentado, não sou capaz de passar das primeiras páginas de autores de grande qualidade como Ana Cristina Silva ou Marion Zimmer Bradley (por isso lhe chamo estilo "avalon").

O mesmo não se passou com Os Sinais do Medo, de Ana Zanatti, que li até ao fim mas, tenho de confessar, meio desnorteado num oceano de descrições de sentimentos e emoções, relações desfeitas e reatadas, depressões e angústias e até ligações espirituais com o além. Por detrás deste mar de palavras, estão ideias muito interessantes, casos de vida muito realistas, desafios sociais muito importantes, que, tenho a certeza, encontraram (e encontrarão) justos apreciadores, contribuindo para a reflexão e desenvolvimento humano de muitos leitores e leitoras.

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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Máscaras de Salazar: Narrativa by Fernando Dacosta

Mascaras de Salazar: NarrativaMascaras de Salazar: Narrativa by Fernando Dacosta
My rating: 2 of 5 stars

Não é biografia, nem ensaio, nem história; parecem memórias, mas o subtítulo indica "narrativa", por vezes parecem artigos soltos de jornal, mas não se limita a factos, apresenta muitos rumores ("Amigos dizem-no pedófilo, secreto de aventuras, amancebado com a governanta Maria"), é muito opinativo, e interpreta, sem fundamentar, como se o autor fosse omnisciente. De capítulo para capítulo, os temas e os tempos variam, neste Salazar acabou de morrer, dois capítulos à frente, ainda está a ser operado. Aqui fala-se de turismo sexual nos anos 60 (as festas gay de Cliff Richard, a intimidade do exilado Rei Humberto de Itália com os pescadores e militares de Cascais, a Madeira, "uma flor carnívora internacional"), duas ou três páginas adiante descreve-se o acidente que vitimou Duarte Pacheco 20 anos antes e a seguir saltamos para os exilados e os clandestinos de esquerda. Enfim, baralhou-me... e também me dececionou, porque acredito que a temática Salazar/Estado Novo e a riqueza da vida e das memórias de Fernando Dacosta merecia outro tratamento literário.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Diabruras de um gay assumido by Alexa Wolf

Diabruras de um gay assumidoDiabruras de um gay assumido by Alexa Wolf
My rating: 1 of 5 stars

As aventuras mirabolantes de um rapaz gay, enfermeiro, que vive com o seu namorado, mas que se apaixona sucessivamente e desastradamente por um médico, um bruxo, um gigante de três "pernas", um preto, um polícia e outros.

A nota prévia da autora fazia prever o pior, ao descrever os comportamentos "pouco ortodoxos e exagerados" dos homossexuais: "são um conjunto de gestos pouco normais, quer num homem quer numa mulher comum, modos de expressão, fora de todo o contexto usual e aceitável face à normalidade, não falando nos gritinhos histéricos e maneiras de vestir de cada um deles".

Mas o (pequeno) texto burlesco não é particularmente homofóbico, é sim mal escrito e de mau gosto! Apenas para dar um exemplo, eis as memórias da "primeira vez" do protagonista: "fora ele quem me desflorara o meu botão de cu de rosa! (...) ele tentava encontrar a entrada do túnel onde pensou que conseguia enfiar o Rossio na rua da Betesga. (...) No mesmo momento em que a minha pobre mãe entrava em casa, ele entrou como um shuttle espacial rompendo os céus. (...) A gritaria foi tanta que a mamã chamou o INEM. (...) quando a polícia arrombou a porta do meu quarto e o INEM e os seus paramédicos entraram de rompante no quarto (...) alguns empurrados por outros, caem de encontro a mim, caindo um deles (coitado) com o respectivo nariz bem no meu rego e eu, ao bater com a barriga em chapa em cima da cama, não consegui conter o ar e o pobre ainda respirou o aroma do suspiro do meu traseiro apaixonado."
Mais palavras para quê?

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Lugar de Massacre by José Martins Garcia

Lugar de MassacreLugar de Massacre by José Martins Garcia
My rating: 3 of 5 stars

O conde de Avince, descendente de uma nobre linhagem guerreira, falha as carreiras das Armas e das Leis e é, por isso, mobilizado para guerra colonial, mas consegue ficar no quartel-general de Bissau, nos Serviços de Conjugação. O novo comandante dos Serviços, a Porca, "rechonchudo e meigo, arcanjo e hermafrodita, tanto mirava cu como braguilha", deixa o conde cheio de ciúmes ao nomear Fernando Laito, um homossexual, para seu ordenança, mas Avince rapidamente o consegue destronar. Entra em cena Pierre Avince, um tipo culto, revoltado com a guerra, que se refugia numa bebedeira permanente. Na sequência de um inquérito sobre rumores escandalosos referindo o alastramento da homossexualidade entre as forças estacionadas em Bissau, o capitão Porca tira partido da coincidência dos nomes, e envia Pierre Avince para aquartelamentos isolados e distantes, ficando com o conde Avince para seu aconchego. As experiências de Pierre Avince, na sua comissão pelas zonas de guerra, marcá-lo-ão para sempre...

Um livro escrito quase como se fosse um sonho (ou, para ser mais correto, um pesadelo), como um fluxo de pensamento de um louco, variando de narrador, viajando no espaço ou no tempo em parágrafos consecutivos, sem que se consiga distinguir bem o que são memórias e o que é ficção, muito na linha da escrita da geração beat (Burroughs, Kerouac, et al). Ao "despertar", no final da leitura, ficam as imagens fortes dos horrores, injustiças e incoerências da guerra.

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