terça-feira, 20 de junho de 2017

28 Discursos sobre Direitos LGBT em Portugal by vários autores

28 Discursos sobre Direitos LGBT em Portugal28 Discursos sobre Direitos LGBT em Portugal by Varios autores
My rating: 4 of 5 stars

Coletânea de textos históricos, associados a posições públicas no campo da luta pelos direitos LGBT, nomeadamente, discursos, declarações e comunicados, recolhidos do Centro de Documentação Gonçalo Dinis, da ILGA Portugal. Inclui a republicação de uma Cronologia dos Movimentos LGBT em Portugal, de Miguel Vale de Almeida e textos tão interessantes e importantes como Aviso por Causa da Moral, de Álvaro de Campos (1923), O Fim do Coito, de Natália Correia (1982), Liberdade para as Minorias Sexuais, do MHAR, Movimento de Ação dos Homossexuais Revolucionários (1974), o Manifesto do CHOR, Colectivo de Homossexuais Revolucionários (1980), A Família do Homossexual, de Guilherme de Melo (1982) ou a Convenção dos Direitos do Homem, publicado pela Revista Organa (1990).

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Mau Tempo no Canal by Vitorino Nemésio

Mau Tempo no CanalMau Tempo no Canal by Vitorino Nemésio
My rating: 4 of 5 stars

No cenário açoriano da burguesia da Horta e da aristocracia agrícola de São Jorge, da vinha e dos baleeiros do Pico, das touradas da Terceira, dos temporais, dos vulcões, da lava e da peste que grassava no início do século XX, Margarida Dulmo e João Garcia estão apaixonados, mas as suas famílias têm questões antigas por resolver e as suas personalidades são quase opostas: ele é formal, quase tímido, indeciso, ela é extrovertida, social, irreverente. A chegada do tio Robert, filho natural (bastardo) do velho Clark, avô de Margarida, vindo de Londres onde trabalha numa casa financeira, vem desequilibrar a pacatez da vida na Horta.

A escrita de Vitorino Nemésio é riquíssima, com uma sintaxe elaborada, um vocabulário muito extenso (Alô, dicionaristas...), carregado de regionalismos tanto a nível das expressões (muitas delas trazidas do inglês dos baleeiros americanos, como "tempo rofe" para "rough" ou "puláiete" para "pull ahead") como da pronúncia. Muitas cenas são tão bem descritas que nos sentimos a vivê-las, como por exemplo a da tourada da Terceira ou da noite em que os baleeiros dormem numa furna depois de terem sido arrastados para São Jorge por duas baleias que trancaram, e que não resisto a transcrever:
"O ti Amaro da Mirateca, ajeitando discretamente o seu molho de maravalhas contra um canto da furna, acomodara-se e dormia, de nariz e barba ao céu. O silêncio que fechava uma vaga... Depois, do outro lado, um ruído seco, timpânico, cortou o ressonar dos baleeiros. Ouviu-se uma voz acordada do fundo da morrinha: «Quem foi que deu um peido?!» «Sssch... Tómim vergonha, padaço de malcriados! Nã têm respeito à menina!...» Só então Margarida se deu conta de que estava deitada na caverna de uma ilha que parecia deserta, embrulhada no pano de uma vela, no meio de homens a quem o sono e o cansaço tinham devolvido o instinto e o bruto calor da natureza."

Os diversos personagens da família Clark e seus criados, dos Garcia e da família do barão da Urzelina, os baleeiros, do grupo de amigos de João Garcia, os criados, são excelentemente retratados. Neste campo, Nemésio não é clemente para o leitor, trazendo-o para namoros, discussões, conversas, diretamente, como se estivéssemos presentes, sem apresentações.

Neste campo dos personagens do romance, é muito curiosa a personagem do tio Ângelo (Garcia), que desde o princípio é apresentado como homossexual numa reflexão de Margarida ("A recordação do maricas acordava nela a soberba dos Clarks, aquele sentimento maciço, enjoado e um pouco cínico. (...) Representou-se-lhe Ângelo de bigodinho frisado a ferro, faces de menina, o cabelo ruço e melado sob o chapéu de coco, correndo as casas da Horta com o seu pezinho atrasado."). Ângelo é descrito como efeminado, gostando de mexericos, adorando organizar festas e decorar igrejas para festas, muito amigo de Pretextato, um viúvo que não voltou a casar, e, pela noite, rondando os quartéis para engatar soldados. João Garcia, o seu sobrinho, olha para o tio com algum desgosto, embora pareça aceitá-lo. Já o irmão, Januário, não só o protege e emprega, como tira partido dos seus conhecimentos sociais. Ângelo, ele próprio, parece ter vergonha de si mesmo ("Olha. João, teu tio é uma desgraça...").

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segunda-feira, 12 de junho de 2017

O Virgem Negra: Fernando Pessoa explicado às Criancinhas Naturais e Estrangeiras by Mário Cesariny

O Virgem Negra: Fernando Pessoa explicado às Criancinhas Naturais e EstrangeirasO Virgem Negra: Fernando Pessoa explicado às Criancinhas Naturais e Estrangeiras by Mário Cesariny
My rating: 4 of 5 stars

Fernando Pinto Amaral (in "Colóquio/Letras") resume supremamente esta obra singular de Cesariny: “Conseguir surpreender-nos sempre foi uma característica da poesia de Mário Cesariny de Vasconcelos. Com ele aprendemos a esperar o inesperado, fugindo das mais previsíveis cristalizações do sentido e abrindo-nos à voracidade das perguntas que transformam em estranha vertigem cada nova leitura dos seus textos. (…) No caso presente, o horizonte define-se a partir do próprio título da obra (…) cuja intenção jocosa não oferece dúvidas. (…) O programa consiste em revisitar Pessoa, não só através de algums poemas engenhosamente reescritos, como também graças a outros de origem não directamente pessoana, mas nos quais o sujeito é o poeta da ‘Mensagem’. (…) Ao definir-se como ‘Eu o mim de mim expulso’, este Pessoa foge a classificações preconcebidas em que às vezes há quem deseje encaixar o poeta, e que leitores mais apressados poderiam concluir, por exemplo, da abertura de um muito singular poema: ‘Alheio ao céu e à luz / De Seth e de Rimbaud / No Antinoo depus / O paneleiro que sou.’ Perante versos tão claros como estes, dir-se-á estarmos em face de uma explicação de Pessoa pela via da homossexualidade. Ora, se isso é, pelo menos em parte, verdadeiro, não pode um livro como ‘O Virgem Negra’ ver-se resumido a tal intenção, por ser mais amplo o fôlego que anima Cesariny: é que o poeta procura fazer luz sobre todo o cosmos pulsional de Pessoa, nunca perdendo de vista um erotismo cuja expressão é activamente interpelada em cada texto – mesmo quando pareça muda, contraditória, demasiado subtil ou simplesmente incompreensível.” (ou usando a ironia do próprio Cesariny: "Isso eu quiz dizer naquele verso louco que tenho ao pé: / «O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é» / Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por mim até).")

Dois exemplos (extremos) da intertextualidade com Pessoa em "O Virgem Negra":
"Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! / Supor o que dirá / Tua boca velada / É ouvir-te já. // É ouvir-te melhor / Do que o dirias. / O que és não vem à flor / Das caras e dos dias. // Tu és melhor - muito melhor! - / Do que tu. Não digas nada. Sê / Alma do corpo nu / Que do espelho se vê."
"O Álvaro gosta muito de levar no cu / O Alberto nem por isso / O Ricardo dá-lhe mais para ir / O Fernando emociona-se e não consegue acabar. // O Campos / Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia / Ficavam-lhe os olhos brancos / E não falava, mordia. O Alberto / É mais por causa da fotografia / Das árvores altas nos montes perto / Quando passam rapazes / O que nem sempre sucedia. // (...)"

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