quinta-feira, 31 de julho de 2014

A Câmara Clara by Roland Barthes

A Câmara ClaraA Câmara Clara by Roland Barthes
My rating: 4 of 5 stars

Encontrei este livro na seção de fotografia de uma livraria. Interessado, folheei as primeiras páginas e pareceu-me que se tratava de uma reflexão sobre o que separaria a fotografia das outras artes ou, mesmo, se a fotografia mereceria ser tratada como uma. Após a leitura, deslumbrado, devo confessar, concluo que a livraria se enganou, e este livro deveria estar na seção de filosofia.

Como muito bem diz o meu amigo Miguel Botelho "sempre que um homem olha para si próprio, o que nós vemos é o mundo". E é isso que Barthes faz em A Câmara Clara. Interroga-se sobre o que o faz gostar de uma foto e conclui que não é o tema, nem o enquadramento, nem qualquer aspeto de natureza técnica, mas, sim, o pormenor que o faz sonhar, o “acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala).

E prossegue a sua reflexão, compreendendo, a partir de uma foto da sua mãe, recentemente falecida, que a fotografia é a prova irrefutável de que algo aconteceu, algo que foi realidade no passado: o noema da fotografia, a sua “característica inimitável”, seria, assim, o “isto foi”, e sem intermediação de um historiador, de um pintor ou de um ator.

A fotografia, conclui o autor, é agente do Tempo e da Morte e talvez possa “ter alguma relação com a «crise da Morte», que começa na segunda metade do século XIX (…) porque, numa sociedade, a Morte tem de estar em qualquer lado; se ela já não está (ou está menos) no religioso, deve estar em qualquer outra parte. Talvez nessa imagem que produz a Morte, pretendendo conservar a vida.” E é esta a contradição fundamental que constitui a sua “loucura”; é este o “êxtase fotográfico.”

A escrita é clara, bela e simples, de uma simplicidade só alcançável por quem é realmente genial.

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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Doces Tormentas by Rui Vilhena

Doces TormentasDoces Tormentas by Rui Vilhena
My rating: 3 of 5 stars

Paulo é casado com Sílvia, que é amante de Carlos, que é casado com Marta, que é amante de Ricardo, que é casado com Henrique, que é amante de Paulo, sim, o Paulo, o marido da Sílvia! Uma sexteto amoroso, mais precisamente, três triângulos amorosos, uma tripla ménage a trois. O final não é bem previsível, pois nem todos ficam felizes para sempre...

Rui Vilhena, o autor de guiões de televonela, escreveu uma comédia burlesca, com uma narrativa fluente e alguns momentos de humor, que quase parece já adaptada ao teatro ou a uma mini-série de TV. Imagino que tal como nos guiões, a caracterização de personagens é reduzida (o ator completará a caracterização com a sua interpretação...) tal como as cenas, que embora sejam bem marcadas, quase sempre em casa de um ou outro dos casais, quase sempre às refeições (praticamente não serão precisos "takes" exteriores para o filme...), são pouco descritas.

A existência de um casal homossexual entre os três casais amigos é encarada com grande naturalidade, tal como a atração bissexual de que resultam os casos de Paulo com Henrique (gay), ou de Ricardo (gay) com Marta. A natureza do relacionamento de Henrique com Ricardo não é clarificada, ou seja não sabemos se são casados, formal ou informalmente, ou apenas namorados. É, por tudo isto, um livro muito leve, que não apela à reflexão sobre os temas subjacentes e que, depois de lido, deixa pouco rasto.

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quarta-feira, 9 de julho de 2014

A Ruptura by Helder de Sousa

A RupturaA Ruptura by Helder de Sousa
My rating: 2 of 5 stars

Heitor é um jovem, filho de uma família da alta burguesia, inconformado com a vida e com a morte, cheio de dúvidas e problemas, apaixonado por Lurdes desde a adolescência, mas que, aos 22 anos, já estudande universitário em Lisboa, "não casa com ela, nem a deixa casar", segundo um dos seus irmãos.
E porque será? Apenas podemos aventar algumas hipóteses: (a) a sua família perturbada, com a mãe, Rosa, mal-amada pelo marido capitalista que apenas a vê como a "parideira" dos filhos? (b) o catolicismo fundamentalista da família, com os seus pruridos sexuais e as críticas à pílula? (c) a sua rebeldia e a dos amigos, desprezando o casamento tradicional e advogando o amor livre? (d) a sua homossexualidade, sempre insinuada, mas nunca afirmada, que o levaria a fugir sempre às relações sexuais com a namorada mas, também, com uma das criadas que se enfia alegremente na sua cama...
A resposta não é fácil, pois o autor não é concludente ao longo das 182 páginas deste seu romance de estreia em que se repetem as cenas idílicas e campestres, as refeições e discussões familiares, em que se sucedem os meses e as estações, com as suas descrições convencionais, mas também com surpreendente canto dos trabalhadores rurais em pleno inverno ou o fumo negro saindo das chaminés em pleno verão... tudo muito suave, tudo um pouco ingénuo.

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Pátio D'Alfândega Meia-Noite by Álamo Oliveira

Pátio D'Alfândega Meia-NoitePátio D'Alfândega Meia-Noite by Álamo Oliveira
My rating: 3 of 5 stars

O Poeta Porreirinho morre e o médico-legista declara como causa mortis: parto não consumado por asfixia introintelectual, ou seja, o poeta morreu com um romance (o seu romance) dentro da barriga. Pior, as páginas do romance estão baralhadas, e Patachão, o grande amigo do Poeta Porreirinho, lutará denodadamente por ordenar o romance, tentando várias opções, mas nenhuma "a" certa, "a" verdadeira. Ao fazê-lo, descobre que o romance fala dos amigos comuns (a Rosa Cambadinha, a namorado do Poeta, que se suicida quando sabe da morte deste; o Graciosa, um bailarino excêntrico que dança nu na rua e faz amor com o Puto, o pescador que morrerá espancado por denunciar a especulação com o cimento para a reconstrução da cidade depois do terramoto; ou Alzira, uma prostituta com quem Patachão se entende), dos lugares da cidade onde vivem (Angra do Heroísmo, com o seu Monte Brasil, o banco verde do Pátio d'Alfândega ou o fumarento Café Atlântico). Na ânsia de ordenar e reordenar o romance para o "encontrar", Patachão começa a misturar a realidade com a ficção, e uma noite, quando encontra sentado no banco verde do Pátio um fantasma do século XVI, Linschooten, o romance e a vida real fundem-se e tudo se perde (ou se ganha), e Patachão deixa de saber se está vivo ou morto também.

Um ensaio de escrita, imaginativo e poético, que capta muito bem a solidão e angústia das ilhas, num ambiente sempre noturno ou cinzento, opressor, pesado. Um romance dentro do romance, dois num só, mas que no final se juntam para dar só um. Interessante, mas não tanto como outras obras do autor, como Até hoje: Memórias de cão ou Já Não Gosto de Chocolates.

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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Histórias para Esquecer by Manel Zé

Histórias para Esquecer (vol. I)Histórias para Esquecer by Manel Zé
My rating: 3 of 5 stars

Episódios interessantes da Guerra Colonial Portuguesa, na maioria dramáticos e tristes (explosões de minas, escaramuças com o inimigo, acidentes, mortes e feridos...), mas alguns também divertidos, escritos com a força de alguém que lá esteve e os viveu.

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