terça-feira, 26 de agosto de 2014

Forma Breve 7: Homografias. Literatura e Homoerotismo

Forma Breve 7: Homografias. Literatura e HomoerotismoForma Breve 7: Homografias. Literatura e Homoerotismo by António Manuel Ferreira
My rating: 4 of 5 stars

Um conjunto de artigos académicos apresentados no congresso homónimo. A qualidade média dos artigos é muito boa, embora o desvio padrão seja elevado...

Muito interessantes e esclarecedores os artigos de:
- Carlos de Miguel Mora, que explica o que seria considerado homoerotismo no mundo romano, segundo os critérios da época,
- Anna M. Klobucka, que descobre um "Caderno Proibido" de poesia no espólio de Botto e o compara a Pessoa,
- Teresa Bagão, que desenterra o romance Signo de Toiro, de Celestino Gomes,
- João de Mancelos, que fala de Withman e Eugénio de Andrade, do que os une e de como um influenciou o outro,
- Virgínia de Jesus, que dá a conhecer a poesia de Miguel Rovisco, em Poemas do Prazer Masculino,
- Paulo Alexandre Pereira, que analisa a homossexualidade na literatura da guerra colonial portuguesa,
- Isabel Cristina Rodrigues, que defende a obra Rui Nunes, apesar de afirmar que "não é de leitura fácil",
- António Manuel Ferreira, que faz uma introdução ao conto de temática homossexual do Brasil a partir da antologia "Entre Nós", e
- Ana Margarida Ramos, pesquisando a literatura infantil.

Em relação a alguns dos outros artigos deixo o citação que Martim Gouveia de Sousa faz no seu: "Lembro me agora que a introdução já vai longa e fere mesmo a protocolar admonição de António Sérgio, inserta na 4ª das suas Cartas de Problemática, datada de Novembro de 1952, que transcrevo muito parcelarmente: «Sempre que um típico intelectual lusitano tem por mira instruir-nos sobre determinado assunto embrenha-nos na selva de uma introdução genérica, historico-genetico-filosofico-preparatoria, cheia de cipoais onde se nos enreda o espírito, e onde nunca se avista a estrada recta e livre. Depois, quando nos achamos já cerca da orla da floresta, principiando-se a enxergar o bom caminho e o objectivo – pronto!, acaba-se o fôlego do nosso autor e a nós próprios exactamente no instante em que se ia abordar o tema.»”

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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Os Navios Negreiros Não Sobem o Cuando by Domingos Lobo

Os Navios Negreiros Não Sobem o CuandoOs Navios Negreiros Não Sobem o Cuando by Domingos Lobo
My rating: 3 of 5 stars

Uma companhia militar portuguesa encontra-se sediada em Neriquinha, um quartel nos confins do inóspito leste angolano, durante a guerra colonial, onde não se passa nada e as tropas dão em doidas, a tal ponto que, ao chegar de umas férias em Luanda com o soldado Belezas, onde descobre a "cena" de prostituição gay da capital, o narrador encontra os seus camaradas a oxigenar o cabelo e a travestir-se!

Uma espécie de livro de memórias, onde as memórias não se distinguem bem da ficção, que não é bem um romance, mas também não é um livro de crónicas, onde a prosa por vezes parece mais poesia, mas que tem, ainda assim, alguns episódios divertidos (o Fernandinho deixado nu pela a sua Adelina) e surpreendentes (a fogosa Patroa da pensão do Mussende).

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sábado, 23 de agosto de 2014

Nó Cego by Carlos Vale Ferraz

Nó CegoNó Cego by Carlos Vale Ferraz
My rating: 4 of 5 stars

Em Mueda, Moçambique, durante a guerra colonial, uma companhia de comandos rude, indisciplinada, mortífera, vê-se envolvida num emaranhado de operações mal preparadas pela burocracia militar instalada em Nampula, bem longe do perigo. Cada soldado, cada sargento, cada oficial da companhia, tem a sua história de vida. O cabo Cabral é "chico" porque precisa alimentar a família, o alferes Lino fugiu do seminário, o Brandão veio provar que um homossexual também é homem, o Lencastre fartou-se de ser menino-bem,... todos voluntários, todos comandos, todos na mata para matar o passado, mais que o inimigo. E é um capitão muito especial que une este grupo improvável, uma figura paterna forte que muitos deles nunca conheceram.

O contraste entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros da Frelimo não poderia ser mais marcante: onde os primeiros se mostram amadores, medíocres, sem estratégia, ou pior, carreiristas e interesseiros, os segundos são apresentados como sagazes, matreiros, ideologicamente muito seguros. Mas as coisas não vão acabar bem... e a companhia acaba por se esboroar tal como acabaria por se desmoronar o "império colonial" português no decorrer de uma guerra inútil.

Um romance muito realista, muito bem conseguido, de quem viveu no terreno este tipo de experiências e sabe o que se sente e se sofre.

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terça-feira, 12 de agosto de 2014

O essencial sobre Eugénio de Andrade by Luís Miguel Nava

O essencial sobre Eugénio de AndradeO essencial sobre Eugénio de Andrade by Luís Miguel Nava
My rating: 4 of 5 stars

Três pequenos textos sobre Eugénio de Andrade.

No primeiro, "Esboço biográfico", resumem-se alguns factos da vida do autor, apontam-se influências (Pessanha, Lorca) e convivências (Torga, Pessoa, Botto, Cesariny e outros), e anota-se uma bibliografia.

O segundo e o terceiro, intitulados "O Erotismo e a Natureza" e "A Escrita", apresentam o erotismo como a grande pulsão da poesia do autor, metamorfoseada no corpo (as mãos, a boca, os sentidos,...), em símbolos (os barcos, os rios, as fontes,...) e na natureza (os frutos, os pássaros, a noite, os cavalos,...).

« Fonte pura..., assim queria
que fosse meu coração:
fluir na noite e no dia
sem se desprender do chão. »

« Seguir ainda esses sinais,
o sulco de um riso breve,
o sol escuro dos abrunhos bravos
ou do sexo levantado,
o frémito miúdo dos dentes na pele,
e os cavalos os cavalos os cavalos. »

Com o avançar da idade (Nava escreveu estes textos em 1986-7, ainda em vida de Eugénio de Andrade) e o desvanecimento do estímulo amoroso («talvez tenha já começado a envelhecer e o desejo, esse cão, ladra-me agora menos à porta»), seriam o amor às palavras e as memórias da juventude a fonte de onde continuaria a jorrar a poesia do autor.

« Agora são elas que têm o teu rosto,
as palavras; e não só o rosto:
o sexo e a trémula alegria
que foi sempre senti-lo desperto. »

« Julguei que não voltaria a falar
desse verão onde o sol se escondia
entre a nudez
dos rapazes e a água feliz. »

Nava é discreto em relação à sexualidade do autor, mas deixa claro nas entrelinhas o que as suas palavras respeitosamente omitem.

Um pequeno livrito, sucinto e esclarecedor, ilustrado por pequenas pérolas selecionadas da poesia de Andrade, e que, como dizia um amigo, nos deixam com o desejo de ler mais poesia.

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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Morte em Pleno Verão e Outros Contos by Yukio Mishima

Morte em Pleno Verão e Outros ContosMorte em Pleno Verão e Outros Contos by Yukio Mishima
My rating: 4 of 5 stars

Sete contos de Mishima, sendo que o primeiro, Morte em Pleno Verão, marca pela frieza e distanciamento da narrativa, quase indiferente ao horror da situação, e choca pela péssima tradução. Os dois últimos contos, Patriotismo e Onnagata, deslumbram e deliciam, o primeiro, muito masculino, pela tensão que cria e pela minúcia da descrição de um seppuku, o segundo, muito feminino, em marcante contraste com o anterior, pela delicadeza do triângulo amoroso entre um famoso onnagata (denominação dos atores masculinos que desempenham papéis femininos no kabuki), um seu adorador, um assistente teatral, e um jovem encenador muito inseguro.

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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O Pecado de Porto Negro by Norberto Morais

O Pecado de Porto NegroO Pecado de Porto Negro by Norberto Morais
My rating: 4 of 5 stars

Receita para fazer "Pecado de Porto Negro"

Ingredientes:
- 1 estivador sedutor (terá de ser um dos homens mais sedutores da literatura portuguesa, caso contrário a receita não funciona)
- 1 donzela inocente e sonhadora (cheire antes de usar; terá de apresentar um cheiro inexplicável, inebriante e irresístivel)
- 1 empregado de balcão ciumento (de preferência tímido e pequeno, para a receita não ficar muito azeda)
- 1 açougueiro infeliz e misterioso (pai viúvo, que ame exageradamente a filha única)
- 1 mulato adamado (com sotaque brasileiro serve)
- paixão, humor, ciúme, sexo (tudo em doses generosas)
- umas pitadas de realismo mágico

Para preparar a receita, precisará de ter à mão, para utilizar no momento certo, um palacete assombrado, um bordel, uma praia deserta, um bar com bilhar e portas para duas ruas, e um convento de freiras.

Deite os ingredientes um por um, pela ordem indicada, num livro grande.

Leve a lume forte, tropical, numa cidadezinha portuária de uma ilha imaginária da América Latina (baía, farol, porto e armazéns, catedral, ruas, praças e becos, bordel, não esqueça o bordel, e praia isolada, de areia branca, com coqueiros e um barco naufragado).

Vá temperando a pouco e pouco, primeiro com humor, depois com paixão e sexo, finelmente com muito ciúme. Mexa com uma linguagem poderosa, um vocabulário rico e uma escrita surpreendente, mas muito lentamente, sem deixar cair na monotonia para não queimar.

Estará pronto quando: "o Sol dourava a baía de Porto Negro. (...) Deu uma volta pela sala, corda à caixa de música, e, quando a geringonça soltou as primeiras notas antigas, sentiu uma presença atrás de si. - À minha espera, franguinha? - sussurrou uma voz, tomando-a pela cintura. Ducélia fechou os olhos e, apertando contra o ventre os braços que a enlaçavam, inspirou o mundo e sorriu."

O autor, Norberto Morais, confecionou esta sua receita com Santiago Cardamomo, Ducélia Trajero, Rolindo Pio Face, Tulentino Trajero e Chalila Boé, e foi uma enorme surpresa! Provámos: o enredo tem um sabor ténue, com algumas notas de engano e surpresa, talvez desnecessárias, mas os personagens ficaram excelentes, ao nível do melhor que se faz na cozinha portuguesa contemporânea, e a escrita está verdadeiramente fabulosa, isto é, imensamente saborosa!

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