segunda-feira, 11 de julho de 2016

As Minhas Memórias by Olga de Moraes Sarmento

As Minhas Memórias As Minhas Memórias by Olga de Moraes Sarmento
My rating: 3 of 5 stars

Olga de Moraes Sarmento foi uma mulher emancipada, ainda que monárquica e católica, que viveu em Paris cerca de trinta anos. A razão do seu exílio voluntário foi "o meu eterno conflito com as convenções, com os preconceitos portugueses." A jovem viúva de vinte e três anos não voltou a casar, mas manteve profundas amizades femininas, cujos nomes estão ligados ao nascimento do feminismo e da cultura lésbica em França, como Renée Vivien, Lucie Delarue-Mardrus, Hélène de Zuylen, Colette, a Princesa Violette Murat e a Duquesa Élisabeth de Clermont-Tonnerre. Durante mais de trinta anos, Olga foi companheira da Baronesa Hélène de Zuylen de Nyevelt, née Rothschild, a quem salvou do Holocausto, levando-a para Lisboa e, posteriormente, para Nova Iorque. Olga dedicou-lhe o seu livro de memórias: "Em homenagem da minha ternura agradecida, da minha admiração sempre fiel, da minha saudade inconsolável, a Helena, ofereço estas páginas que são o pálido retrato da minha vida, essa vida em que ela foi, pela nobreza inigualável da sua alma, pela inteligência compreensiva da sua amizade, pela generosidade calorosa do seu coração, a grande luz maternal que soube iluminar e aquecer mais de trinta anos de uma dedicação perfeita."

Para Olga Moraes Sarmento, tudo é perfeito, lindo, emocionante; todos são inteligentes, afectuosos, cordiais. Até mesmo os seus inimigos de estimação, como os republicanos, são frequentemente descritos como respeitadores e educados. A escrita inflamada, delicodoce, adjetivada (de que a dedicatória é bom exemplo) mais não faz que ocultar sentimentos e fugir à confrontação de ideias, não revelando minimamente, por exemplo, a natureza da sua relação com Helena. Este foi um estilo de escrita largamente louvado à época, que, felizmente, não conseguiu resistir à passagem dos anos. Apesar disso, "As Minhas Memórias" são um documento interessante sobre a fase de transição da monarquia para a república, em Portugal, sobre o período entre guerras, em Paris, e sobre uma classe social muito aristocrata e um tanto preconceituosa, da viragem do século XIX para o XX, que, infelizmente, apesar de se encontrar atualmente bastante rarefeita, sobreviveu à voragem do tempo e ainda encontra eco, por exemplo, nas fúteis revistas da "socialite".

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domingo, 10 de julho de 2016

A Duração dos Crepúsculos by Filomena Marona Beja

A Duração dos Crepúsculos A Duração dos Crepúsculos by Filomena Marona Beja
My rating: 3 of 5 stars

Ruy Afonso, o narrador, retira-se, já velho, para a sua casa perdida em São Miguel, nos Açores, e recorda os anos que passou em Paris como distribuidor da VVR-Filmes, relembra as dificuldades que teve de ultrapassar durante a ocupação alemã da capital francesa, durante a II Grande Guerra, e os seus amores, primeiro por Valée e depois por Cristal.

Sua sócia na VVR era Gi, o "petit-nom" da escritora de livros infantis Vírginia de Castro e Almeida, para quem produziu dois filmes ruinosos financeiramente, "A Sereia de Pedra" e "Olhos de Alma". Com o aproximar da guerra, Gi refugiou-se na Casa do Pinhal, em Cascais, onde vive com Pam, uma artista plástica, a sua companheira.

O interesse de Gi pelos personagens históricos portugueses, sobre quem escreveu alguns livros por encomenda para a Secretaria Nacional da Propaganda, leva-a a estabelecer uma amizade com António, um estudioso de matemática, que lhe fala de Pedro Nunes, um dos pilares dos Descobrimentos Portugueses do século XVI, pelos vários problemas práticos de navegação que resolveu, respeitantes à correcção da rotas, à determinação da posição dos navios, à compensação dos desvios das agulhas magnéticas, que permitiram desenhar mapas mais precisos, garantindo a Portugal a liderança tecnológica e o domínio dos mares.

E são estes dois pontos os de maior interesse no romance: a biografia romanceada de uma portuguesa de grande valor, lésbica, mas há muito caída em esquecimento, e uma chamada de atenção para a vida e obra de Pedro Nunes, um cientista português de uma época em que a coincidiram em Portugal a coragem, a inteligência e a determinação. A escrita é escorreita, mas desnecessariamente complexa no que à estrutura diz respeito; é como se os parágrafos, depois de escritos, tivessem sido baralhados e posteriormente colocados no texto por uma ordem quase aleatória.

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Eugénia e Silvina by Agustina Bessa-Luís

Eugénia e Silvina Eugénia e Silvina by Agustina Bessa-Luís
My rating: 4 of 5 stars

Tudo se passa ao redor do solar da Malhada, nos arredores de Viseu, e dos seus proprietários. A baronesa Eugénia Silva Mendes, herdeira da Malhada e de uma fabulosa fortuna. A sua neta Eugénia Viseu, neta bastarda da baronesa, que se transforma numa elegante dama da sociedade parisiense, sempre acompanhada pelo galante tenente Freitas Barros, de quem se diz ser seu amante, e de uma dama de companhia, Maria Augusta, que talvez tivesse sido o que o tenente não foi. João Trindade, um homem do povo, que se apaixona por Eugénia e que, não podendo aspirar a casar com ela, faz um filho a uma das suas damas de companhia, após o que foge para São Tomé, onde enriquece mais como negreiro do que como fazendeiro de cacau. Silvina, a filha bastarda de João Trindade, que ele adopta quando regressa rico de São Tomé e com quem vai viver, diz-se que em relação incestuosa, na Malhada, que João Trindade compra e recupera da decadência em que caíra após a morte da sua inalcançável viscondessa Eugénia Viseu. Finalmente, Claudino, o marido contratado para Silvina, e Albina, a sua fidelíssima e amantíssima criada, a "Maria Augusta" de Silvina.

"A menina Elvirinha, filha dos caseiros da Malhada, era empregada de padaria, na Rua Nova, de Viseu. Levantava-se com as estrelas, calçava uns sapatos de presilha que lhe garantiam a condição urbana, e saía de casa; encurtava caminho pelo terreno chamado O lameiro, e entrava na estrada, perto da Poça das Feiticeiras. Desta vez teve um susto, mitigado pelo facto de o seu encontro arrepiante contar com a presença dum guarda de Ranados que ela conhecia. Dentro da água limosa e com pouca profundidade estava o corpo de um homem que ela achou ser um mendigo. O rosto, de tão maltratado, era irreconhecível." Era João Trindade.

Não, não vos estou a revelar o enredo do romance, pelo menos não mais que a autora o faz nas primeiras páginas. Com efeito, ao longo de quase 400 páginas, Agustina Bessa-Luís gira e volta a girar à volta dos mesmos lugares, dos mesmos personagens, dos mesmos acontecimentos. Mas não faz círculos, antes nos arrasta numa espiral, que nos aproxima cada vez mais, milimetricamente, de um desfecho que não chega a acontecer. Mas a escrita é tão bela, a condução do leitor tão delicada, que nos deixamos enredar e "entramos" na história, "conhecemos" os locais, "convivemos" com os personagens, que acabam por nos ser tão familiares que, quando viramos a última página do livro, imediatamente lhes sentimos a falta.

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quarta-feira, 6 de julho de 2016

The Road to Oxiana by Robert Byron

The Road to Oxiana: New edition linked and annotaded The Road to Oxiana: New edition linked and annotaded by Robert Byron
My rating: 5 of 5 stars

A maioria dos caudalosos rios que nascem nas vertentes norte das poderosas cadeias montanhosas do Hindu Kush e do Pamir, os Himalaias ocidentais, não chegam a desaguar no mar, esvaindo-se em grandes deltas nas areias dos desertos de Karakum e de Taklamakan. Nestes deltas, existem, desde tempos remotos, riquíssimas cidades-oásis, pontos cruciais da Rota das Sedas, como Merv, Bukhara, Samarcanda ou Kashgar. Não muito longe, fica o igualmente isolado e fértil vale de Fergana, onde nasceu Babur, o mítico fundador do que viria a ser o riquíssimo, culto e tolerante império mogol da Índia.

Sentindo-se asfixiar numa Europa mergulhada em grande desordem, acabada de sair da I Grande Guerra, com a Grande Depressão no seu máximo furor, a ascensão de Hitler à Chancelaria cavalgando os seus discursos histéricos e inflamados, a União Soviética fortalecida sob a mão de ferro de Estaline e o Império Britânico em pleno declínio, vergado aos protestos pacíficos de Gandhi, mas mantendo teimosamente a rígida moral vitoriana que condenara Oscar Wilde à prisão, Robert Byron sonha refugiar-se no canto mais remoto da Terra, numa destas cidades-oásis da Ásia Central, que ficam para lá do rio Oxus, a Transoxiana!

Apesar dos enormes desafios burocráticos e financeiros, Byron consegue aproveitar um momento único na História, quando o equilíbrio de poderes entre os impérios soviético e britânico possibilita o renascimento da Pérsia e do Afeganistão como países independentes, estados-tampão que separam geograficamente as duas grandes potências. É por esse corredor no espaço e no tempo que Byron parte na companhia do seu amigo Christopher Sykes.

Veneza, Chipre, os lugares sagrados de Jerusalém, Bagdade, Teerão, não são mais que apontamentos de viagem, etapas de um objetivo maior. Só em Herat, a primeira grande cidade para lá da fronteira do Irão, o seu ânimo espevita. Rapidamente se encaminha para o ansiado Turquestão, mas as primeiras neves do inverno obrigam-no a regressar a Herat, depois de ficar retido nas montanhas por alguns dias, sobrevivendo à disenteria e às noites geladas abrigado no corpo quente de Nur Mohammad, um soldado de um regimento afegão com quem se cruzara.

Frustrado, regressa à Pérsia para passar o inverno e visita as cidades monumentais do sul: Isfahad, Shiraz, Firuzabad, as ruínas de Persépolis, Yazd, Kerman e Mahan. Com a chegada da primavera, regressa a Herat, e desta vez o passe de montanha de Sauzak, a 2.400 metros de altitude, não o detém. Finalmente perto do seu destino, tudo se transforma para Robert Byron, as colinas são mais verdejantes, as flores, mais coloridas, o ar, mais ameno e até se “sente a presença do rio [Oxus] a cinquenta milhas de distância como se sente a presença do mar antes de o ver.”

Mas o mesmo equilíbrio político que lhe permitira chegar até ali, impede-o de ir mais longe. Em Mazar-i-Sharif, não consegue autorização do Governador para se aproximar do Oxus por deferência aos soviéticos, que não toleram ingleses a menos de 50 km das suas fronteiras. Impedido de realizar o seu sonho, frustrado, empreende um regresso rápido. Já nada o entusiasma. Os Budas de Bamian “não têm qualquer valor artístico”, Kabul é uma imitação de Deli e só a capital do velho império dos Ghaznávida o aquece brevemente. De regresso a casa, no comboio de Londres para Savernake, escreve: “Comecei a sentir-me entontecido, atordoado pela perspetiva de estar a chegar ao fim”.

The Road to Oxiana é o diário desta viagem incompleta em direção a um paraíso perdido. É um travelogue cheio de humor, inteligência, contemplando a história, a arquitetura, a paisagem, os povos, refletindo a alma do autor em perseguição de um sonho intangível. Mas não é essa a essência do viajar? A vontade irreprimível de vasculhar o mundo ao encontro dos nossos sonhos?

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terça-feira, 5 de julho de 2016

Bella Donna: Amor no Feminino by Fabiula Bortolozzo

Bella Donna: Amor no Feminino Bella Donna: Amor no Feminino by Fabiula Bortolozzo
My rating: 4 of 5 stars

Nos tempos da velha Republica dos Doges venezianos, Antonia, uma viúva aristocrata, decide passar o resto dos seus dias num convento da ilha de Murano após a morte do seu marido. Parte em busca de tranquilidade mas, ao invés, encontra emoção, dor e mistério.

Um romance histórico de amor entre duas mulheres que consegue escapar ao lugar-comum das paixões inflamadas, embalando-nos, com a sua escrita escorreita, para uma leitura compulsiva de um enredo quase policial, muito bem arquitectado e com um desfecho inesperado.

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