quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Capitalism and Freedom, Milton Friedman

Capitalism and Freedom Capitalism and Freedom by Milton Friedman
My rating: 5 of 5 stars

Milton Friedman é amado ou odiado pelas mais diversas razões. Foi um economista prestigiado que ganhou um prémio Nobel e foi um excelente comunicador: a série de TV "Free to Choose" foi vista em todo o mundo e os seus livros venderam milhões de exemplares. Mas também ficou muito negativamente associado às políticas económicas do sanguinário ditador chileno Pinochet, e dos conservadores Margaret Thatcher e Ronald Reagan ("If it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops moving, subsidize it.")

Hoje em dia, em Portugal, quando estamos superlativamente endividados, quando o Estado parece incapaz de equilibrar as suas contas apesar dos sucessivos aumentos de impostos, quando os casos de corrupção e má-gestão se sucedem nos noticiários sem que a Justiça consiga condenar os responsáveis, seria bom deixar as emoções de lado e ler as palavras de Friedman apenas pelo que valem, sem os estigmas dos rótulos que lhe queiram colar, para tentar compreender as ideias do académico inteligente, racional e coerente que ele foi.

E muitas das ideias de Friedman, ou muitas das ideias de que ele fala em "Capitalism and Freedom", são ideias importantes: que a Liberdade é um valor fundamental, que não existe liberdade política sem liberdade económica, que devemos optar por sistemas fiscais simples, transparentes e previsíveis, que para haver unanimidade não é necessário haver conformidade, que as barreiras à circulação de pessoas e bens são prejudiciais, e muito mais.

Hoje em dia, em Portugal, precisamos de reduzir drasticamente a corrupção, precisamos de reduzir drasticamente a nossa dívida externa, precisamos de reduzir drasticamente os impostos, precisamos de gerir melhor os nossos recursos, de reduzir drasticamente a pobreza, precisamos de "sonhar" com um país melhor, um país que seja um exemplo e um farol de liberdade, democracia, justiça e tolerância para todo o mundo, um país de que nos orgulhemos.

E se as ideias das forças políticas que têm dominado os nossos destinos não servirem para materializar esse "sonho", então precisaremos de um novo cocktail de ideias, de objetivos, de estratégias e de líderes, e não nos podemos dar ao luxo de rejeitar ideias diferentes sem as avaliar desapaixonadamente, para tentar compreender de que forma nos poderão ajudar a vencer os nossos desafios.

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A Engomadeira by José de Almada Negreiros

A Engomadeira A Engomadeira by José de Almada Negreiros
My rating: 3 of 5 stars

Redigida em 1915, A Engomadeira retrata uma jovem empregada de uma engomadoria, muito ingénua, que a mãe deixa à mercê de um burguês casado, o Sr. Barbosa. No quarto onde o Sr. Barbosa a instala, recebe amantes, clientes, varinas, um anão deformado e outros.

Ellen Sapega considera que “O que não há dúvida é que da feliz associação das ironias implícitas na sociedade retratada com as exigências narrativas da fragmentação interseccionista da experiência nascem, em «A Engomadeira», algumas das imagens e personagens mais perduráveis da obra almadiana.”

Um exercício de escrita muito inteligente, curioso e divertido, observador e excêntrico, tal como o seu autor.

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domingo, 25 de setembro de 2016

The History of Sexuality #1: An Introduction by Michel Foucault

The History of Sexuality #1: An Introduction The History of Sexuality #1: An Introduction by Michel Foucault
My rating: 3 of 5 stars

Michael Foucault subverte a convicção generalizada de que vivemos à sombra da "moral sexual repressiva vitoriana" para nos obrigar a refletir sobre o conceito de sexualidade e de como, ao invés de repressão sexual, termos tido, ao longo dos últimos séculos, um crescente escrutinar da sexualidade (ou das sexualidades) individuais: "Em vez de uma preocupação uniforme com a ocultação do sexo, em vez de uma hipocrisia generalizada de linguagem, o que distingue estes três últimos séculos é a variedade, a vasta dispersão de dispositivos que são invenções para falar sobre sexo, para que se fale de sexo, para induzir a que se fale de sexo, para ouvir, gravar, transcrever e redistribuir o que se diz sobre sexo: uma rede completa, variada, específica e coerciva de transposições do sexo em discurso. Em vez de censura massiva, a começar com a correção verbal imposta pela Idade da Razão, o que existiu foi um incitamento regulado e polimorfo ao discurso. (...) O que é peculiar nas sociedades modernas, de facto, não é que tenham consignado o sexo à sombra da existência, mas que se tenham dedicado a falar dele ad infinitum, e em simultâneo a explorá-lo com o segredo."

O desafiar da lógica estabelecida, desequilibrando para encontrar novos pontos de vista, é sem dúvida um golpe de génio. Mas há qualquer coisa neste livro que me provoca uma certa "alergia", talvez o "tique" de defender uma tese para a seguir provar a sua contrária, ou a falta de factos que suportem as ideias apresentadas, que por vezes parecem pouco mais que opiniões de parte interessada ou de génio provocador, ou talvez a repetição frequente das mesmas ideias sobre roupagens ligeiramente diferentes ou sob pretextos metodológicos.

Mais esclarecedor que ler "A História da Sexualidade" de Foucault será provavelmente ler o que se escreveu acerca dela.

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A Origem das Espécies by Charles Darwin

A Origem das Espécies A Origem das Espécies by Charles Darwin
My rating: 4 of 5 stars

Charles Darwin foi um cientista genial, talvez o mais extraordinário dos cientistas! Não que eu não seja um enorme fã de Einstein, Heisenberg, Newton, Hawkins, Turing ou Feynman, por exemplo. Mas Darwin teve esta ideia maravilhosa que é simultaneamente simples e abrangente, que é quase óbvia, mas que ninguém ainda tinha "visto" (e que alguns ainda se recusam a ver), que é ponto de partida para refletir sobre o mundo, a natureza, a vida, as relações sociais, a psicologia, que é uma "ideia perigosa" por afrontar o poder instalado das igrejas, religiões e crendices, mas também do "establishment" científico da época, que foi fundacional ou transformadora para muitas disciplinas do conhecimento, e que foi transformacional também para mim, o que me faz ter um carinho e uma admiração especial por este velhote barbudo.

A leitura das primeiras páginas de "A Origem das Espécies" revela uma obra que se mantém muito moderna, tanto no conteúdo como na forma, escrita por um autor que surge modesto e rigoroso. Este não será o livro mais indicado para quem quiser fazer uma primeira abordagem à teoria da seleção natural. Com efeito, preocupado com a polémica que sabia estar prestes a levantar-se com a publicação, Darwin progride lentamente na apresentação das suas ideias, documentando com factos todas as hipóteses que defende ou descarta, descrevendo pormenorizadamente (por exemplo, a dimensão e a forma dos alvéolos de cera das abelhas-operárias, dos zangãos e das Melipone domestica mexicanas) e pedindo constantemente desculpa por não poder trazer à colação em tão curto espaço (380 páginas) todos os factos que suportam inegavelmente as suas afirmações.

Ofereceram-me este livro! Para além de ser um belo exemplar de livro, com uma bela capa e uma excelente encadernação, um livro-objeto que dá um enorme prazer possuir em si mesmo, é uma prova de grande amizade, pois não é a amizade feita também de atenção? Embora me pareça que nunca o lerei até ao fim, foi uma prenda certeira e aqui aproveito para agradecer uma vez mais ao grande amigo que ma ofereceu.

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As Antigas e Novas Andanças do Demónio by Jorge de Sena

As Antigas e Novas Andanças do Demónio As Antigas e Novas Andanças do Demónio by Jorge de Sena
My rating: 4 of 5 stars

Neste coletânea de contos de Jorge de Sena reúnem-se os dois livros de contos publicados antes da queda da ditadura de Salazar e Caetano: "As Andanças do Demónio" (1960) e "Novas Andanças do Demónio" (1966), de onde se extrairia a fantástica novela fantástica, "O Físico Prodigioso". Depois de 1974, surgiu uma outra coletânea de contos, "Os Grão-Capitães", cujo conteúdo, de uma sexualidade mais explícita, seria problemático se fosse publicado antes.

O conjunto dos contos de Jorge de Sena é um mosaico extraordinário de estilos e temas, de recursos semânticos e sintáticos, de fineza de perceção, de coragem e ousadia (muito do que se conta é autobiográfico, como o próprio autor confessa).

Dos contos reunidos nestas "Andanças" apetece-me destacar um: "A Janela da Esquina", um conto sobre a velhice e a morte, de uma surpreendente ternura e inevitabilidade ausentes de lamechice, onde o desejo e a sensualidade estão, inesperadamente, muito presentes, e onde a escrita de Jorge de Sena atinge uma limpidez e uma fluidez que gostaríamos de ter encontrado noutros dos seus contos.

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A Linha da Beleza by Alan Hollinghurst

A Linha da Beleza A Linha da Beleza by Alan Hollinghurst
My rating: 5 of 5 stars

Já tinha lido este livro há muitos anos; sabia que tinha gostado muito mas não me lembrava do enredo... apenas subsistia uma admiração vaga. Fui à procura nas estantes e não encontrei o meu exemplar. Julgo que o devo ter emprestado e que deve ter ficado emprestado. Não importa. Voltei a cruzar-me com ele como Livro do Dia numa das Feiras do Livro de Lisboa e tornei a comprá-lo. Agora que já o reli, percebo porque não me recordava do enredo... simplesmente, porque o enredo é quase irrelevante.

Este livro é como uma fotografia, mas uma fotografia monumental, de alguns (poucos) anos da sociedade londrina dos finais do século XX. Tal como nas fotos, tudo o que a objetiva capta fica registado: o conservadorismo inglês, as paixões despertadas por Thatcher, a ambição política desmesurada, os preconceitos de classe, a fraternidade universitária, o "melting-pot" de raças e culturas, as férias de verão no sul de França, o desejo, o amor, o sexo, a cocaína, as drogas, a sexualidade, o horror da SIDA, o jornalismo de tablóides, os distúrbios mentais, a arte, a música... uau!

Roland Barthes diz que o noema da fotografia, a sua “característica inimitável”, é o “isto foi” sem intermediação de um historiador. Alan Hollingurst consegue, com a sua máquina fotográfica de romancista, algo que seria difícil utilizando as ferramentas de historiador: levar-nos a "viver" a História, transportar-nos para uma época passada e deixar-nos sentir o que seria estar lá entre aqueles personagens, naquele cenário social fascinante. As 555 páginas do livro lêem-se de um fôlego!

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Gay Life and Culture: A World History by Robert Aldrich

Gay Life and Culture: A World History Gay Life and Culture: A World History by Robert Aldrich
My rating: 5 of 5 stars

"Dos versos de Teócrito à série de TV 'Queer as Folk', dos berdaches norteamericanos aos rapazes-esposa da Austrália Aborígene, este livro ilustra simultaneamente o que há de comum [na história e na geografia, entre raças e sexos] no amor e na luxúria, e de que formas tais desejos foram concebidos e construídos ao longo dos séculos."

Um coletânea de artigos organizada por Robert Aldrich que, pela sua erudição, conhecimento, perspetiva distanciada e independente, mas simultaneamente de "insider", é provavelmente um dos melhores livros sobre a história e cultura "gay".

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domingo, 11 de setembro de 2016

Sáficas by Alfredo Gallis

Sáficas Sáficas by Alfredo Gallis
My rating: 4 of 5 stars

Em "Sáficas", Alfredo Gallis começa por nos alertar logo no prólogo para a honestidade e as boas intenções do seu livro, “para que nenhum malévolo veja nele, nem a leve sombra de um trabalho pornográfico” e continua, condenando não só a homossexualidade, mas relegando as filhas solteiras ao confinamento do lar materno, que seria, segundo Gallis, a única forma de as proteger de perceptoras, “cujas qualidades, carácter, tendências e desígnios, ignoramos completamente”, de “relações estreitas das jovens umas com as outras”, e de “intimidades de relações entre meninas solteiras e casadas”. O tom moralista, no entanto, parece servir apenas para justificar o escandaloso, à época, conteúdo homossexual e o erotismo soft que renasceu recentemente com "As 50 Sombras de Grey" e que foi responsável, tal no caso daquele romance contemporâneo, pelo enorme sucesso comercial das obras de Alfredo Gallis. Até porque no final, ao invés de caírem na desgraça ou na miséria, as "sáficas", Octávia e Manuela, acabam juntas e a passear alegremente pela Europa!

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