segunda-feira, 28 de março de 2016

3 e 15 by Eduardo de Souza Caxa

3 e 15 3 e 15 by Eduardo de Souza Caxa
My rating: 4 of 5 stars

Inteligente, divertido, mordaz, intrigante, profundo, emocionante... o primeiro livro de Eduardo de Souza Caxa, 3 e 15, envolve poesia, com crónicas, com reflexões e memórias, e deixa-nos positivamente com fome de mais.

View all my reviews

domingo, 13 de março de 2016

Vejo Uma Voz: Uma Viagem ao Mundo dos Surdos by Oliver Sacks

Vejo Uma Voz: Uma Viagem ao Mundo dos Surdos Vejo Uma Voz: Uma Viagem ao Mundo dos Surdos by Oliver Sacks
My rating: 4 of 5 stars

Esta excelente incursão de Oliver Sacks no mundo dos surdos está organizada em 3 partes:
1. a primeira faz uma abordagem histórica sobre os surdos e a surdez, e explica-nos como surgiu a língua gestual americana, como não é uma simples transliteração em gestos das línguas faladas, nem sequer um conjunto de gestos de mímica ou pantomima; antes é uma língua completa, com uma sintaxe, semântica e gramática próprias, fonte de uma cultura específica e riquíssima (teatro, poesia, literatura, dança), que, de certa forma, é inacessível aos ouvintes.
2. a segunda parte trata da surdez do ponto de vista neurológico e explica-nos as diferenças entre surdez pré-linguística (quando se fica surdo antes de aprender a falar porque, por exemplo, se nasceu já surdo) e pós-linguística (quando a surdez tem origem em doença ou acidente ocorrido depois de aquisição da fala), descrevendo os hipotéticos mecanismos do cérebro envolvidos na aprendizagem da linguagem, salientando a enorme plasticidade do cérebro e as maiores capacidades dos surdos no que respeita a acuidade visual e organização do espaço.
3. por fim, Sacks descreve um episódio de revolta de estudantes na Universidade de Gallaudet, uma universidade americana destinada ao ensino dos surdos. Os alunos não aceitaram a eleição de um reitor não-surdo, exigindo que fosse escolhido, pela primeira vez, um surdo, no que constituiu um gesto de afirmação de um movimento identitário e de reivindicação de direitos em tudo semelhante aos movimentos feminista, dos negros ou dos homossexuais.

Em consequência da sua organização, "Vejo Uma Voz" não é um livro estruturado, e a profusão de notas de rodapé pode acabar por perturbar a leitura, mas tais questões são insignificantes quando comparadas com a faculdade que este livro tem de nos obrigar a pensar, de nos despertar para uma realidade na qual nunca tínhamos reparado, mesmo estando ao nosso lado (a prevalência da surdez é de 1 em cada 1000), e, se tínhamos, era com sentimentos de compaixão ou de preconceito.

Sim, porque quem não se recorda de ter, na infância, um familiar ou vizinho "surdo-mudo"? E, na verdade, nem deveria haver qualquer problema com o aparelho vocal do miúdo(a). Seria até, provavelmente, uma criança inteligente, enclausurada numa prisão de comunicação, cheia de vontade de aprender, mas sem dispor das ferramentas para o fazer. Normalmente, pelos seus sons guturais de protesto, por não se desenvolver como as outras crianças, os surdos pré-linguísticos eram classificadas como imbecis e enclausurados em hospícios e reformatórios. Sacks descreve que, quando se ensinava a estas crianças uma língua gestual, elas desabrochavam de repente, curiosas, inteligentes, ansiosas por aprender e por comunicar. Alguns deles tornaram-se excelentes escritores, pintores ou engenheiros. E pensar que, a partir de meados do século XIX até à segunda metade do século XX, as línguas gestuais foram proibidas em muitos países, como a Inglaterra, onde a imposição da conformidade vitoriana penalizava as minorias, como as de surdos, mas também, por exemplo, dos "sodomitas"! Em Portugal, por razões um pouco diferentes, também a Língua Gestual Portuguesa esteve proibida até 1974, pois a ditadura temia que, não sendo compreendida pela polícia política, fosse usada para conspirar contra o regime.

Mas ainda hoje temos por hábito classificar os surdos como "deficientes", como se fosse possível resumir a riqueza e o potencial de um individuo a uma única característica física. Foi com enorme espanto que descobri que é precisamente o contrário: por exemplo, as crianças surdas de nascença conseguem começar a comunicar com os pais em linguagem gestual logo a partir dos 4 meses, para pedir leite, por exemplo, enquanto as crianças não-surdas apenas começam a articular as primeiras palavras por volta do primeiro ano de idade. Os surdos, geralmente, têm uma maior consciência visual e espacial, o que se reflete nas línguas gestuais, que são mais ricas e concisas que as línguas faladas no que se refere a localização e orientação, e na expressão corporal. Neste e noutros campos, surpreendentemente, os "deficientes" somos nós, os "ouvintes".

Dei por mim a pensar: e porque é que não ensinamos a todas as crianças, desde a mais tenra idade, a língua gestual do seu país, fazendo com que, dentro de algumas gerações, esta se tornasse nativa de toda a população, tal como a língua falada? Caçávamos dois coelhos de uma assentada: nós, os "deficientes-ouvintes", poderíamos beneficiar de uma maior sensibilidade visual/espacial e a surdez deixaria de ser impedimento à integração na sociedade de pessoas com enorme potencial.

Costuma dizer-se que "burro velho não aprende línguas", mas eu não quero ficar para trás. Fui à procura na Net e encontrei uma Escola Virtual de Língua Gestual Portuguesa. Já completei o primeiro módulo e fiquei aprovado (com excelente nota!) no respetivo questionário de avaliação. Vá lá, é giro... e é grátis!


View all my reviews

quinta-feira, 10 de março de 2016

The Boys in Blue by Phil Andros

The Boys in BlueThe Boys in Blue by Phil Andros
My rating: 4 of 5 stars

De visita a LA, Phil Andros dirige-se a um polícia que orienta o trânsito num cruzamento movimentado da cidade para pedir uma informação. Alto e atlético, a farda impecável e justa, deixando perceber mais que cobrindo os seus dotes, o queixo quadrado com covinha, óculos de sol escuros, uma encarnação perfeita do sensual chui "tomfinlandesco", Greg, o polícia é extremamente simpático e paternal! Perturbado, Phil, que sempre teve um fascínio por fardas, decide voltar no dia seguinte ao mesmo local, apesar de ser dia de Natal. E, por sorte, lá está ele, no mesmo cruzamento, a causa da sua noite mal dormida. Phil convida-o para um café e, por sorte, o turno de Greg termina em 10 minutos e, por sorte também, a casa de Greg fica apenas a 2 quarteirões... Segue-se uma tarde de álcool e sexo inesquecíveis, com Phil a descobrir que o seu polícia é um "hétéro machão" para quem todo o sexo é pouco ("homem ou mulher? muito!"). E descobre também que ele mesmo, Phil, apesar de prostituto masculino, gosta de obedecer e de se submeter, e inclusive, se excita masoquisticamente com um pouco de dor. Greg pede transferência para São Francisco, para estar perto de Phil, que decide candidatar-se e é admitido na polícia local, e os dois, em conjunto com um terceiro polícia da mesma esquadra, vão morar para um apartamento onde todo o tipo de aventuras sexuais acontecem...

Da série de livros eróticos que Samuel M. Steward escreveu com o pseudónimo Phil Andros para ganhar dinheiro, este será um dos mais pornográficos, com as cenas de sexo a sucederem-se, num catálogo de configurações, fetiches e posições em que o exagero das dimensões e quantidades tem papel de relevo. Apesar disso, a narrativa é bem sustentada num enredo romântico simples e na personagem simpática, descontraída, "cool", amoral e tranquila de Phil Andros, a quem não conseguimos resistir.

View all my reviews

domingo, 6 de março de 2016

On the Move: A Life by Oliver Sacks

On the Move: A Life On the Move: A Life by Oliver Sacks
My rating: 4 of 5 stars

Oliver Sacks foi um neurocirurgião solitário e curioso, que não gostava da aborrecida investigação científica feita de relatórios e estatísticas, antes preferia ouvir e tentar compreender os seus pacientes. E tinha também uma compulsão por contar as suas histórias - o ato de escrever enchia-o de uma felicidade intensa - pelo que foi acumulando milhares de registos médicos e diários, que posteriormente transformaria em livros de grande sucesso, alguns deles adaptados a filmes ou documentários, como "Despertares" (com Robert de Niro e Robin Williams), "O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu" (que deu origem a uma ópera composta por Michael Nyman) ou "Musicofilia".

Quando lhe foi diagnosticado um cancro em fase terminal, decidiu escrever a sua autobiografia, "Em Movimento: Uma Vida", em jeito de testemunho franco sobre a vida que viveu, as experiências com drogas fortes, a paixão por motas, o período louco de bodybuilder na Califórnia e a sua homossexualidade tímida, que ele considerava uma doença (a timidez, já que, para ele, a homossexualidade era apenas aquilo que ele era), mas sobretudo sobre a sua paixão, a neurocirurgia e as suas explorações de várias perturbações neurológicas que o levariam a publicar obras de grande sucesso. A sua autobiografia seria publicado quatro meses mais tarde, três meses antes da sua morte, em 30 de agosto de 2015.

"Em Movimento: Uma Vida" está escrito numa linguagem simples, que Oliver Sacks utiliza tanto para descrever algumas perturbações neuropsicológicas graves ou alguns desafios científicos complexos, como para contar algum episódio divertido sobre os seus familiares ou pacientes. Está escrito na primeira pessoa, mas o autor quase se apaga, falando-nos entusiasticamente das suas paixões mais do que de si próprio ou do enorme prestígio que conseguiu alcançar. E quando o faz, quando fala de si, é porque é ele próprio o sujeito de estudo (partiu uma perna e deixou de sentir que ela pertencia ao seu corpo; descreveu pormenorizadamente a perda progressiva de visão devido a um melanoma ocular, que o deixaria cego de um olho) ou usa um tom de crítica paternal (às loucuras que cometeu com motas e drogas) ou é profundamente modesto, escondendo-se por detrás de um humor suave (o seu maior receio, quando foi condecorado com a Ordem do Império Britânico, era poder "peidar-se" em frente da rainha de Inglaterra).

Um homem que dedicou toda a sua vida a estudar e a tentar ajudar os outros, este homem possuidor de um enorme coração, não experimentou o amor, a paixão e o sexo senão brevemente, na juventude, e mais tarde, já com setenta e sete anos, com Billy Hayes: "Tímido e inibido durante toda a minha vida, deixei que a amizade e a intimidade crescesse entre nós, talvez sem compreender completamente a sua profundidade (...) Uma enorme e inesperada dádiva na minha velhice, depois de uma vida de isolamento.” Um homem que se isolou, refugiando-se nos outros, para se esconder de si próprio?



View all my reviews