quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Caderno do Algoz by Sandro William Junqueira

O Caderno do AlgozO Caderno do Algoz by Sandro William Junqueira
My rating: 2 of 5 stars

Ontem a Margarida colocou na sua lista "to-read" o livro Um Piano para Cavalos Altos do Sandro William Junqueira. Por coincidência tinha lido no Expresso de sábado que este era um dos autores "promessa" da literatura portuguesa. Ora eu já tinha lido há algum tempo O Caderno do Algoz e não tinha ficado muito impressionado. Decidi reler e não mudei de opinião. Com efeito, já estou a ficar sem paciência para "experimentalismos literérios" e a forma como o autor parece que sorteou aleatoriamente a ordem dos capítulos, misturando sem aviso passado, presente e futuro é uma "seca". Bem me podem dizer que desta forma cada leitor "lê" uma história diferente, etc., etc. Não me convencem. Depois os personagens pairam pelos capítulos, também fragmentados... um coveiro, inspetor bissexual sádico, uma mulher com um seio amputado, mãe de uma criança que passa o tempo a tossir e a pingar ranho, um anão sodomizado, um cão e um peixe maltratados e um escritor que comete um crime e corta a mão que o cometeu (inspiração para a capa). Esperemos que Um Piano para Cavalos Altos seja, de facto, muito melhor...

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Prostituição masculina em Lisboa by António Duarte

Prostituição masculina em LisboaProstituição masculina em Lisboa by António Duarte
My rating: 1 of 5 stars

Um trabalho jornalístico constituido por relatos ou transcrições de entrevistas de cerca de meia-dúzia de travestis lisboetas do início dos anos 1980 que se prostituíam na Avenida da Liberdade.

O trabalho é muito parcial e simplista e está cheio de lugares-comuns e preconceitos, assumindo no ínico capítulo que pretende afastar-se do jornalismo, presunções científicas balofas, onde tudo se confunde (homossexualidade e travestismo e prostituição) e nada se esclarece, ficando no ar a dúvida se a falta de clareza é propositada ou se é apenas um "descuido". A escrita é, também, pretensiosa e desagradével.

Alguns exemplos:
"Esta é a herançaa dos novos mutantes da era do átomo, dos libertinos de saias, vagabundos do l(i)uxo que (n)os cerca, anjos negros, viscosos, sem pátria, pintalgados de ilusões em policromia."
ou
"Porque não se reproduzem, os homossexuais sentem, por seu lado, a necessidade, incessante, de conquista de novas presas."
ou
"Existe um fosso entre os homossexuais (incluindo pederastas e prostitutos "encobertos") e os prostitutos "descobertos" que exibem o sexo na rua. A diferençaa básica não está bem na génese educacional da homossexualidade, mas sim nas condições sociais e culturais que lhe serviram de palco. Os psicanalistas colocam, normalmente, como axioma, que a homossexualidade do adolescente é a deformação da sexualidade dos progenitores... "

Julgo que não será preciso dizer mais nada... a não ser que foi publicado no mesmo ano que
Ser Homossexual em Portugal de Guilherme de Melo (e se calhar, à sua boleia), este sim, um trabalho mais interessante, e que tem prefácio de Clara Ferreira Alves (o que teria ela a dizer desta obra hoje?).

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Mortalidade by Christopher Hitchens

MortalidadeMortalidade by Christopher Hitchens
My rating: 4 of 5 stars

Avassalador! Escrito durante os 19 meses em que esteve doente com cancro, Hitchens continua corajosamente a defender, às portas da morte, o que sempre defendeu toda a vida e confronta-nos com a nossa própria mortalidade.

"Ao longo da minha vida, já tinha acordado, mais de uma vez, com a sensação de morte. Nada, no entanto, me havia preparado para a madrugada de junho em que acordei a sentir-me realmente preso dentro do meu próprio cadáver."

"À pergunta absurda "Porquê eu?", o cosmos mal se dá ao trabalho de responder: porque não?"

"Em contrapartida, [no país da doença] o humor é frouxo e repetitivo, quase não se fala de sexo, e a cozinha é a pior dos destinos que alguma vez visitei."

"Quando chegar ao fim e me encontrar aterrorizado, num estado de imbecilidade semiconsciente, poderei, até, gritar por um padre. Contudo, declaro aqui, enquanto estou lúcido, que a entidade que assim se humilhar já não será, com efeito, o meu "eu". (Tenham isto bem presente, não vá dar-se o caso de surgirem posteriores rumores ou invenções.)"

"Não tenho um corpo, sou um corpo."

O The Wall Street Journal afirma que o autor de Deus Não É Grande: Como a Religião Envenena Tudo tinha razão quando afirmava que "não há vida além da morte", porque se houvesse Hitchens continuaria a enviar-lhes, para publicação, "artigos, ensaios, críticas de livros, textos perversos ou polémicos."

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Internato by João Gaspar Simões

InternatoInternato by João Gaspar Simões
My rating: 3 of 5 stars

Um relato muito interessante sobre a vida nos colégios internos portugueses de meados do século XX, contado por um rapaz de 11 anos, Ramiro Afonso (o "Pinguim") que acaba de ser admitido. Ramiro é abandonado num mundo estranho e todos os seus laços afetivos, com o pai e a tia Libânia, com os amigos da sua idade e com os marçanos que trabalham na loja do seu pai, são completamente cortados. Sozinho e por sua conta pela primeira vez, Ramiro desconhece os códigos de conduta e poder que vigoram entre os rapazes do internato e comete erros que o deixam cada vez mais angustiado e confuso. Carente, aceita a amizade desinteressada do seu colega Conceição, que o desperta para a leitura, e as carícias e beijos do colega mais velho Luís Taborda, que lhe dá a proteção e o afeto que lhe faltavam.

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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Velha Casa: I - Uma Gota de Sangue by José Régio

A Velha Casa: I - Uma Gota de SangueA Velha Casa: I - Uma Gota de Sangue by José Régio
My rating: 4 of 5 stars

Lèlito, um rapaz de 17 anos, sensível, inteligente, tímido, é internado pelo pai num colégio do Porto para não se perder como o seu irmão João. Incapaz de se integrar, afasta-se dos colegas e arrasta-se pelos cantos do recreio, com um livro debaixo do braço, suspirando por regressar ao seio da família, em Azurara, aos cuidados da mãe, da madrinha Libânia e da cozinheira Piedade. Os seus modos suaves e distantes provocam comentários dos perfeitos e dos outros rapazes e, uma tarde no recreio, por detrás de uma grande tília, Pedro Sarapintado chama-lhe "menina", acusam-no de gostar de "ler romances" e acabam por despi-lo para lhe fazerem uma "vistoria". Indignado e revoltado, Lèlito isola-se mais e, quando o Adélio, um matulão mais forte, lhe diz que simpatiza com ele e lhe propõe escaparem-se antes da missa para fazerem "indecências" nuns caminhos escondidos por detrás do cemitério, Lèlito reage e descobre em si um ímpeto e uma força para se afirmar contra a injustiça e a crueldade.

José Régio, num romance que parece ter algo de autobiográfico, retrata muito bem a homofobia reinante entre os rapazes (mas também tolerada, senão mesmo tacitamente encorajada, por diretores, professores e empregados) dos colégios internos portugueses na segunda metade do século XX. De entre diversos personagens interessantes (o Pedro Sarapintado, o perfeito Bento Adalberto e outros), destaca-se Adélio, por representar uma certa homossexualidade que não era reconhecida como tal à época, antes sendo vista como sinal de virilidade, na tradição da Roma Antiga, a dos "machos" dominantes que seduzem e sodomizam homens ou rapazes submissos/femininos.

A estrutura do romance é bem conseguida, com uma introdução rápida ao tema principal, seguida do seu desenvolvimento progressivo e terminando numa autêntica descida aos infernos dos bairros antigos portuenses, em que o protagonista ganha consciência de si, mas soçobra fisicamente. Os últimos capítulos são excelentes e o livro termina com o regresso ao paraíso e a provável redenção, mas, mais do que isso, só mesmo lendo o volume 2, As Raízes do Futuro...

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domingo, 19 de janeiro de 2014

Navegador SolitárioNavegador Solitário by João Aguiar
My rating: 3 of 5 stars

As primeiras páginas são verdadeiramente divertidas. Pobre Solitão (o nome é responsabilidade vaca da madrinha Preciosa), assombrado pelo avô Aquelino, que o quer utilizar para ser, depois de morto, o que não conseguiu ser em vida! Na segunda parte, Solitão aprendeu a escrever sem erros com a professora de português que anda a comer. Confesso que fiquei com pena do calão imaginativo, cheio de erros e sem vírgulas da primeira parte, como quando Solitãoo se atrapalha com "piçaarvativo" para dar a sua primeira "berlaitada" e depois se confessa aos padre os seus pecados contra a "castridade", pedindo a "besolvição". A terceira parte é dedicada à ambição desmedida de ascensão económica e social de Solitão (que odeia o nome e quer que lhe chamem Francisco): vai estudar Direito para Lisboa, incentivado pelo Dr. Severo, que até lhe "punha" um apartamento para poder "desfrutar" mais à vontade do físico do rapaz, se ele quisesse (não quis)! é uma fase de grandes sacrifícios, muito trabalho, muito estudo, pouco dinheiro e pouco sexo... Salva-se um novo personagem, a cavalona da prima Ivone, que apesar de estar para casar, vai "aliviando" o desgraçado do Solitão... A quarta e última parte é sobre redenção e castigo: a redenção do Solitão, a redenção da Etelvina (uma prostituta com bom coração), a redenção do bem e do amor verdadeiro; o castigo do mal, das almas penadas, do interesseirismo, da riqueza oca e da ambição desmedida.

Apesar de ter conseguido criar alguns personagens e dispositivos muito interessantes (Solitão, o avô Aquilino, Teresa e a prima Ivone, a escrita cheia de erros da 1a. parte, a escrita automática), por vezes, o autor parece andar um pouco perdido, sem saber o que fazer com eles: Angelino sempre a curar-se e a recair na droga, o avô Aquilino sempre a dizer que não pode desvendar os mistérios do outro mundo, o pai sempre a chatear o moço, etc. Alguns dos personagens são muito vistos (a puta de bom coração, a aristocrata muito digna) e o enredo acaba por ser pouco surpreendente ou original... o rapaz salva-se das más influências... e tudo (até) termina com um "casamento improvável"!

A homossexualidade é um dos temas sempre presentes ao longo do livro, contribuindo decisivamente para o enredo, embora sem ser o tema central. O Angelino arranja dinheiro para a droga vendendo-se aos homossexuais do Parque Municipal de Giestal, onde Solitão encontra (e satisfaz) o Dr. Severo. Mas o Dr. Severo é um dos "maus" da história, não por ser homossexual, mas por ser hipócrita (é casado, tem duas filhas e um apartamento em Almada, onde ao longo da vida foi tendo rapazes "por conta". O próprio Solitão não é moralista em relação ao assunto, acreditando que chegou a ter prazer, embora nem a si próprio o conseguisse confessar.

Pelo meio, surgem algumas considerações interessantes sobre a sociedade portuguesa-europeia-ocidental que se mantêm actuais passados quase 20 anos sobre a escrita do livro: sobre o "provincianismo" e a "meia-tigela". "A sua predominância no actual momento histórico pode ser considerada a partir de duas perspectivas diferentes. A mais comum - que a Rita partilha - é aquela que se limita a vê-la como um sinal dos tempos, partindo do princípio de que os tempos são decadentes e abastardados, sem mais. A outra perspectiva colocará, ao menos como hipótese, que decadência e abastardamento são meros ingredientes de mutação e assinalam, ainda que indirectamente, um caminho positivo."

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Autores, Leitores e EditoresAutores, Leitores e Editores by Francisco Vale
My rating: 3 of 5 stars

Um mosaico muito interessante sobre livros, autores, a leitura e o sector da edição, pelo editor Francisco Vale, que reúne um conjunto de textos, alguns, mais curtos, publicados no blogue da sua Relógio D'Água sobre temas gerais de atualidade (2009), outros, mais longos e mais refletidos, inéditos ou já publicados como prefácios ou entrevistas. Mas pelo facto de ser apenas uma coletânea de textos, fica-nos "água na boca" por uma obra mais ambiciosa, que aborde de forma mais sistemática a visão e as ideias do autor sobre esta temática.

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Dois Mundos, Uma PaixãoDois Mundos, Uma Paixão by Pedro Xavier
My rating: 4 of 5 stars

Dois Mundos, Uma Paixão, de Pedro Xavier, é o livro 1 da série Dois Mundos, que conta a história do romance e das aventuras de Pedro e Davis, dois rapazes separados por dois mundos que se encontram para combater o mal e defender o amor. Esta é a obra de estreia de Pedro Xavier, um jovem autor, cheio de criatividade e imaginação, natural do Alentejo e amante da natureza. Um autor que a INDEX ebooks se orgulha de editar e que tem a certeza que te vai surpreender. Vê como obter os restantes livros da série Dois Mundos aqui.

Pedro Xavier, no seu primeiro livro, revela uma imaginação e uma criatividade enormes, surpreendendo-nos a cada capítulo. A escrita é fluente e rápida, a leitura muito agradável.

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O Testamento de MariaO Testamento de Maria by Colm Tóibín
My rating: 3 of 5 stars

Nesta reflexão sobre a "humanidade" de personagens bíblicos, Tóibín questiona-se sobre o que terá sentido Maria, a mãe de Jesus, assistindo ao caminho do seu filho para a cruz, à sua morte e à subsequente fabricação do mito religioso. E a resposta é incredulidade, raiva, dor, medo e incompreensão: esta Maria de Tóibín é, acima de tudo, uma mãe de carne e osso, que não tem nada a ver com a imagem de serenidade abnegada e algo insensível, já quase divina, pintada pela Igreja Católica.
Trata-se de um conto longo, escrito num tom de autoreflexão e confidência que faz lembrar Memoirs of Hadrian, com alguns episódios surpreendentes e vívidos, como o da ressureição de Lázaro.

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Já Não Gosto de ChocolatesJá Não Gosto de Chocolates by Álamo Oliveira
My rating: 4 of 5 stars

As memórias de Joey Sylvia, José Silva antes de emigrar dos Açores para a Califórnia, quando já octogenário, preso numa cadeira de rodas num lar para idosos, passa em revista a sua vida e a da sua família. Ao recordar-se de como viveu, Joey conta-nos, realmente, como foi morrendo: o fim da nostalgia pela sua ilha natal, a perda prematura, vítima de SIDA, de John, o seu filho mais novo, gay, e a morte da sua mulher, Mary, o pilar da sua vida, tudo contado com o distanciamento e a resignação de alguém que já desistiu de viver e não tem nada mais a perder.
A escrita da Álamo está mais apurada, menos pretensiosa, sempre rica e surpreendente, e cola-nos à leitura deste belo e emocionante romance.

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PIXEL 3: Merry XmasPIXEL 3: Merry Xmas by Vários
My rating: 4 of 5 stars

O espírito de Natal, sempre tão controverso, foi o mote para o Pixel 3, cujo tema teve inspiração na música Happy Xmas de John Lennon. Tal como nas anteriores edições do concurso, a vertente de histórias verídicas teve um peso relevante, e desta feita com um significado especial, por documentar um lado menos “feliz” do Natal. Esta edição contou com a participação de 27 autores, com 32 histórias (em prosa, em poesia e em vídeo/desenho), cumprindo o objetivo de ter histórias para além da forma escrita em prosa. Pela primeira vez o concurso foi ganho por uma história de ficção e isso deveu-se ao facto de as histórias de ficção terem atingido uma qualidade excecional, confirmando como excelentes escritores alguns dos participantes.

Acredito que, de entre os autores desta coletânea, uns quantos serão escritores conhecidos num futuro, espero, pouco distante.

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O Essencial sobre Marcel ProustO Essencial sobre Marcel Proust by António Mega Ferreira
My rating: 4 of 5 stars

É um pequeno livro, mas muito interessante (os livros não se medem aos palmos...) e muito bem escrito, sobre Marcel Proust e a sua obra-prima, Em Busca do Tempo Perdido em que Antonio Mega Ferreira procura apresentar a temática da obra e a história da sua escrita, traçando paralelos entre a vida de Proust e a dos personagens do romance.

Percebe-se que Mega Ferreira é um apaixonado da obra e que acredita que o autor se inspirou na sua vida pessoal para ir fabricando a teia com que foi escrevendo estes sete volumes na parte final da sua vida. Para Mega Ferreira, uma das chaves principais da interpretação da obra é bem ilustrada no volume "Sodoma e Gomorra", em que os temas centrais são a homossexualidade masculina, do Barão de Charlus e de Jupien, e a feminina, de Albertine (inspirada em Alfred, o motorista por quem Proust se apaixonou), a mulher por quem o narrador (que será o próprio Proust) se apaixona e de quem é fortemente ciumento por acreditar que ela tem amores lésbicos.

Recomendo para quem não leu Proust (é um bom aperitivo e enquadra a leitura), ou para quem já leu e quer começar a aprofundar o que leu e a explorar a extensa bibliografia sobre esta "imensa" obra e sobre um dos maiores escritores de sempre.

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O HomúnculoO Homúnculo by Saint-Clair Stockler
My rating: 4 of 5 stars

Tem a qualidade do que é literário... deixa-nos a pensar sobre a vida!
Excelente.

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A Great Unrecorded History: A New Life of E. M. ForsterA Great Unrecorded History: A New Life of E. M. Forster by Wendy Moffat
My rating: 5 of 5 stars

Esta é a biografia "escondida" de E. M. Forster, em que a vida e a obra do grande autor são vistas (pela primeira vez?) à luz da sua homossexualidade. John Sutherland, na Literary Review, pergunta-se sobre esta biografia de Forster: «Será que quero mesmo saber isto tudo?» e prossegue: «Em minha opinião, este livro mancha a obra de Forster. Não podemos ficar gratos por isso. Mas Moffat (a autora da biografia) fez um trabalho detalhado, e esta é, de certa forma, uma "nova vida"». Uma nova vida que precisava ser contada, dizemos nós... e diz Forster, que deixou indicações detalhadas para evitar a destruição, após a sua morte, dos seus diários secretos, dos seus textos não publicados de caráter homossexual (o romance e vários contos), mencionando também que desejava que toda esta documentação pudesse ser consultado por quem o solicitasse.

Foi também o próprio Forster que nos indicou o quão central na sua vida e na sua escrita era a sua sexualidade: "Eu poderia ter sido um escritor mais famoso, se tivesse escrito mais, ou melhor, se tivesse publicado mais, mas a questão sexual impediu-me disso... [...] Aos 85 anos sinto-me tão irritado com a Sociedade por me ter obrigado a desperdiçar a vida ao condenar criminalmente a homossexualidade. Os subterfúgios, a auto-recriminação que poderia ter sido evitada."

E o trabalho de investigação de Moffat é fabuloso, a sua escrita é sempre rica mas fluente, o seu interesse no detalhe e a sua seleção de citações e apontamentos, de Forster ou dos seus amigos e correspondentes, é preciosa, como no pequeno poema de J.R Ackerley (que tocou fundo um Forster deprimido pela morte do seu amado Mohammed):
"Seeking my dead
Hearing him yet
Saying "Good-bye!"
Hearing his sigh,
Murmured so low,
"Ah, but I know...
You will forget."

ou nas citações de Forster sobre a sua filosofia de vida, como: "How does anything end? One should act as if things last", ou simplesmente, algumas pinceladas da sua escrita, como quando ele se deixa deslumbrar, numa praia deserta do Egito, aos 38 anos e ainda virgem, pela nudez de um egípcio: "I was bathing myself on the deserted beach and a man galloped up on a donkey, stripped, and tried to pull it into the water with him. The lines of a straining nude have always seemed academic to me up to now but hereafter I shall remember red light on them, and ripples like grey ostrich-feathers breaking on the sand."

Esta é, sem dúvida, uma obra monumental, excelentemente escrita e sumamente interessante, porque a vida de Forster o é.

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O Canto de AquilesO Canto de Aquiles by Madeline Miller
My rating: 3 of 5 stars

A história da vida de Aquiles e da Guerra de Tróia, desta vez pela voz do amado de Aquiles, Pátroclo, o "truque" que Madeline Miller usou para tentar apresentar esta história, já mil vezes recontadas, sob uma nova perspetiva. Pátroclo é descrito como um fraco, quase feminino, que se sacrifica por Aquiles, vestindo-lhe a armadura para se lançar contra Heitor, apenas para salvar Agammemnon e os gregos, sem deixar que a honra de Aquiles seja manchada. Aquiles, por seu lado, é descrito como um semideus, invencível, mas também teimoso e obstinado, que acaba por morrer (curiosamente, trespassado no peito e não atingido no famoso calcanhar) para vingar a morte de Pátroclo.

É um livro de escrita e narrativa simples, uma escrita que parece feminina pela suavidade e pela forma pouco musculada como são descritas as batalhas e os confrontos. Um livro que tem os seus pontos altos, a nível de criatividade e de tensão dramática, nos anos que os dois rapazes passaram com Quíron, o velho e sábio centauro, e, já na parte final, quando Tétis, a deusa mãe de Aquiles, que não queria Pátroclo para "genro", permite que a alma deste, que vagueava no limbo, se junte para toda a eternidade à do filho no submundo onde repousam as almas.

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O Banqueiro AnarquistaO Banqueiro Anarquista by Fernando Pessoa
My rating: 4 of 5 stars

Um pequeno texto que reflete ironicamente sobre a anarquia e os anarquistas.

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MensagemMensagem by Fernando Pessoa
My rating: 3 of 5 stars

Com exceção dos poemas que estão no ouvido, "O Mostrengo", "Mar Português", "O Infante" e mais um par doutros, não me consigo entusiasmar por este tipo de poesia.

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Livro de Soror SaudadeLivro de Soror Saudade by Florbela Espanca
My rating: 2 of 5 stars

Não consegui "entrar" na beleza que estes poemas seguramente devem ter...

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SeduçãoSedução by José Marmelo e Silva
My rating: 4 of 5 stars

Escrito na primeira pessoa, por Eduardo, um rapaz de vinte e poucos anos, caixeiro, em ambiente de aldeia ("Dos milheirais soltou-se, vindo até nós, o cantar provinciano das sachadeiras, que retomavam o trabalho depois da sesta"), muito baralhado consigo mesmo e com a sua difícil relação com Noémia, a sua irmã 10 mais velha, que se formou em Direito e vive em Coimbra, este livro de José Marmelo da Silva provocou enorme polémica quando foi publicado, em 1937, pela sua temática quase exclusivamente sexual, em que, apesar de nunca citado diretamente, o lesbianismo de Noémia é motivo central.

O jovem Eduardo, pulsando de desejo viril, tenta seduzir as raparigas da aldeia e as visitas da cidade, mas nenhuma o quer. Todas são atraídas inexoravelmente pela irmã, como borboletas atraídas por uma luz forte, até mesmo as que, no escuro da loja, lhe aliviavam antes os apetites sexuais. Eduardo fica frustrado e desvairado, mas, apesar dos comentários que vai ouvindo na aldeia, nunca chega a perceber, seja por inocência ou ignorância, a verdadeira razão do seu sofrimento.

Noémia é apresentada como a carrasco que impede a realização do desejo masculino, furtando-lhe o objeto (o lesbianismo como inimigo dos homens?), mas a culpa, essa é atribuída aos homens ("Ai de Noémia! O homem não dá valor a prendas mais belas que as do corpo, nem a bens mais belos que os terrenos.") por só pensarem no seu prazer físico.

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The Left Hand of DarknessThe Left Hand of Darkness by Ursula K. Le Guin
My rating: 4 of 5 stars

For Ursula K. le Guin, science fiction is just the hypothetical scenario where she takes us to be able to question social some conventions and prejudices of mankind. No interstellar explosions, fantastic spaceships, green Martians with antennas, androids and other Hollywood special effects... just immensely fascinating!


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A Alma TrocadaA Alma Trocada by Rosa Lobato de Faria
My rating: 2 of 5 stars

Muito pouco, neste livro, me interessou. E as premissas iniciais até eram interessantes: Teófilo de Deus é concebido no mesmo dia em que o seu avô morre e suspeita que a sua alma não é sua, que lha trocaram, suspeita que se acentua quando é publicado um livro exatamente igual ao que ele escreveu (recordo-me de um outro caso de "almas trocadas" e de escrita "paralela", mais interessante, que é o livro de João Aguiar, Navegador Solitário).

Trata-se de um texto escrito como um policial ("quem é que me trocou a alma?") mas quando o mistério é finalmente desvendado e o criminoso castigado, o livro prossegue, agora em estilo de romance (ou literatura de viagens?) com uma ida a Paris que aparece do nada e que não leva a nada, logo seguida de um final apressado que faz lembrar o último episódio de uma telenovela, acelerando o enredo e desvendando o futuro dos personagens.

Também caído do céu é o capítulo dedicado a Beto, como se fosse pecado não mencionar a Sida num livro onde a homossexualidade é, supostamente, um dos temas principais. No entanto, apesar do narrador ser homossexual, acabou por me ocorrer que o enredo funcionaria igualmente (ou talvez melhor) se em vez de termos o gay Téo como narrador, tivéssemos uma mulher...

Também fiquei dececionado com o tom, por vezes lamecha, da prosa que é quase poesia ("um rasgão no peito, uma saudade de mim", ou o recorrente, "miligrã, oxálida, genciana,..."), o excesso de adjetivação e os personagens esterotipados (a noiva despeitada, o namorado bonzinho, a mãe muito tia, os pais homófobos, a avó compreensiva, o empregado muito sexy) e sem profundidade. Algumas passagens iniciais são verdadeiramente deliciosas ("o avô morreu do 25 de abril, teve uma pataleta e ficou dismininguido"), mas os diálogos são, genericamente, pouco credíveis (por ex. a leitura do testamento ou os telefonemas da Maria).

É como se o livro tivesse sido escrito à pressa, sem investimento nos detalhes, com pouco trabalho de edição, como que apenas para marcar presença e cumprir compromissos.


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O AlephO Aleph by Jorge Luis Borges
My rating: 4 of 5 stars

Quero começar por dizer que a edição em papel que comprei, da Quetzal, é fantástica. Este é um daqueles livros que dá prazer mesmo antes de se começar a ler: a encadernação em que as páginas abrem completamente sem se descolarem, o papel rugoso da capa, o cuidado com o design, as badanas largas com informação sobre o autor e foto, a mancha do texto bem espaçada com uma fonte bonita e fácil de ler... e... hummm... a expectativa boa de ir passar uns bons momentos na companhia da imaginação estonteante de Jorge Luis Borges!!!

O primeiro conto do livro, "O Imortal", é o conto central e de maior dimensão da coletânea, e merecia ter-lhe dado o nome. Começa "a la" Borges: uma história dentro de um livro que pertence a outra história, e ainda por cima remetendo para países exóticos e tempos remotos ("Em Londres, nos princípios do mês de Junho de 1929, o antiquário Joseph Cartaphilus, de Esmirna, ofereceu à princesa de Lucinge os seis volumes em quarto menor (1715-1720) da Ilíada de Pope"). Esta técnica de Borges parece que acrescenta veracidade ao é dito e desperta o nosso sentido de "bisbilhotice" levando-nos a acreditar mais no que está a ser dito e a querer ler mais... "very clever", não é?

Depois há Marco Flamínio Rufo, que não resiste a partir em busca do mito imortalidade. Quando, depois de atravessar montanhas e desertos, suportar perigos e atentados, chega quase morto à sombra da muralha da cidade, descobre que não há portas, apenas uma caverna ao fundo da qual há um poço, ao fundo do qual existe uma câmara circular com 9 portas, 8 das quais dão entrada para um labirinto que só tem saída para a mesma câmara circular e a 9ª que leva a outra câmara circular idêntica à primeira com mais 9 portas e 8 labirintos... uau! a imortalidade é verdadeiramente difícil de alcançar...

Depois há o deserto à volta da cidade em que os anos se repetem, monótonos, sedentos e iguais, mas em que um dia acontece o inesperado... uma forte chuvada abate-se sobre os trogloditas que ali vivem. Argos, o troglodita amigo de Rufo, de olhos postos no céu, chorava. Rufos grita-lhe, Argos, Argos! E Argos abre a boca pela primeira vez para responder: "Argos, cão de Ulisses". Perguntando-lhe que mais sabe sobre a Odisseia, Rufo obtém a resposta: pouquíssimo... já devem ter passados mais de mil e cem anos que a escrevi...

"Ser imortal é de mau gosto; à exceção do Homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível, é saber-se imortal (...) "postulado um prazo infinito, com infinitas circunstâncias e alterações, o impossível é nem sequer compor, pelo menos uma vez, a Odisseia".

Os outros contos são todos mais pequenos e menos elaborados, embora haja alguns muito interessantes (por exemplo, "Deutsches Requiem", "A busca de Averróis", "O Zahir", "A escrita do Deus") e diversas outras pérolas borgianas, nomadamente o Aleph (que dá título a um conto e à coletâna) que é "um dos pontos do espaço que contem todos os pontos", "o lugar do globo onde estão, sem se confundirem, todos os lugares, vistos de todos os ângulos" e "multum in parvo"!



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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Contos de Dorothy Parker Contos de Dorothy Parker by Dorothy Parker
My rating: 4 of 5 stars

Ouvi falar pela primeira vez da Dorothy Parker num podcast do The New Yorker (a "bíblia" anglo-saxónica do conto) e fiquei logo muito interessado. Pesquisei um pouco e descobri que a Dorothy Parker era considerada uma das grandes contistas do século XX. Quando me apareceu esta coletânea em português, não resisti e comprei logo... e não me arrependi nada (apesar da tradução não ser das melhores). Trata-se de um conjunto de excelentes contos, muitíssimo bem escritos, muito serenos e perspicazes, com um sentido de humor e de crítica social sempre presente, mas muito subtil. São pequenas histórias, quase sempre de mulheres, sobre pequenas coisas aparentemente irrelevantes, apontamentos do dia a dia, um telefonema, uma visita social, sem finais inesperados, moralistas ou empolgantes, mas que nos deixam a pensar ou a sentir um doce prazer de viver.

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O Golpe de MisericórdiaO Golpe de Misericórdia by Marguerite Yourcenar
My rating: 5 of 5 stars

Comprei este livro com expetativas elevadas. Tinha ainda fresco na memória "De olhos abertos: conversas com Matthieu Galey" e "Memórias de Adriano" está no meu top5! No entanto, até à página 70 andei razoavelmente aborrecido e não estava a ver a coisa bem encaminhada (curiosamente, o mesmo me aconteceu com as Memórias, que só li à segunda tentativa). Foi então que uma cena de grande dramatismo, escrita magistralmente, me bateu forte! Eric (o narrador) recorda uma noite gelada de inverno, de bombardeamento aéreo, em que um quadrado de luz se recorta na varanda de Sophie. Eric sobe para fechar a janela e falam com uma intensidade emocional e uma proximidade a que nunca tinham chegado antes. Uma bomba cai junto da casa e, depois de escaparem à morte, ela atira-se para os braços dele e beijam-se. Eric reflete, mais tarde, sobre o que aconteceu: "Agora que ela está morta, e que deixei de acreditar em milagres, estou contente por ter beijado ao menos uma vez aquela boca e aqueles cabelos ásperos. Daquela mulher, semelhante a um grande país conquistado em que nunca entrei, recordo, em todo o caso, o exato grau de tepidez da sua saliva naquele dia e o odor da sua pele cheia de vida. E se alguma vez tivesse podido amar Sophie em toda a simplicidade dos sentidos e do coração, teria sido naquele minuto em que ambos possuíamos uma inocência de ressuscitados". No entanto, "Não sei em que momento a delícia se transformou em horror (...) Arranquei-me a Sophie com uma selvajaria que deverá ter parecido cruel aquele corpo que a felicidade tornava indefeso. Ela reabriu as pálpebras e viu estampada no meu rosto qualquer coisa sem dúvida mais insuportável que o ódio ou que o terror, pois recuou, tapou o rosto com o cotovelo erguido, como uma criança esbofeteada, e foi essa a última vez que os meus olhos a viram chorar". E daqui em diante foi tudo "horrivelmente" bom... e mais não conto!

A não ser que a homossexualidade de Eric, nunca mencionada pela autora ou comentada por ele mesmo como narrador, parece evidente: não só por não ter aceite o amor, nem o corpo de Sophie, que ela lhe ofereceu abertamente primeiro e depois indiretamente, pelo ciúme; não só porque Eric desdenhava as prostitutas e a experiência sexual que teve com uma foi claramente insatisfatória; mas sobretudo pelo indestrutível amor que sentia pelo Conrad, amor que aparentava ser muito mais que fraterno, embora talvez nem Eric se apercebesse disso.

Excelente!

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Murmúrios com Vinho de MissaMurmúrios com Vinho de Missa by Álamo Oliveira
My rating: 3 of 5 stars

Não sei bem que dizer sobre este livro. Tenho a sensação que são dois livros dentro de um, entrelaçados um no outro, quase escritos por dois autores, ou pelo mesmo autor, mas em momentos diferentes. O começo de uma das histórias é fulgurante, com as reflexões da professora Lucília sobre a sua vida e a dos seus amigos, sobretudo o Jonathan, com as suas ideias controversas e corajosas sobre a pediatria e sua paixão pelo empregado negro da loja da esquina. Mas a outra história, a do padre Raul, é um pouco insípida, quase um conjunto de recordações avulso interessantes, mas só isso. De Álamo de Oliveira, continuo a preferir a escrita, a estrutura e a beleza emocional de Já Não Gosto de Chocolates ou a força de Até hoje: Memórias de cão.

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Myra BreckinridgeMyra Breckinridge by Gore Vidal
My rating: 4 of 5 stars

Gore Vidal abominava classificações de género, gay, hétero, homo, bi,... e esta poderosa Myra (um retrato de mulher fabuloso, talvez o melhor?) está apostada em comprová-lo! A escrita é excelente e o final surpreendente... e mais não conto!

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Onde Andará Dulce VeigaOnde Andará Dulce Veiga by Caio Fernando Abreu
My rating: 4 of 5 stars

Um torvelinho surpreendente de personagens, situações, cores, cheiros, emoções, tudo muito visual, muito palpável, muito credível e tudo admiravelmente escrito! E o final soa a lição de moral, mas no bom sentido, a de que todos temos um paraíso perdido que está à nossa espera algures, se soubermos, tão só, relativizar as minudências da vida e arranjar tempo e coragem para encontrar a Dulce Veiga que há em nós.
Gostei mesmo muito, apesar do "cheirinho" a policial, género a que sou um nada alérgico por me fazer sentir um tanto ludibriado.

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Granta Portugal 1: EuGranta Portugal 1: Eu by Carlos Vaz Marques
My rating: 4 of 5 stars

Gostei bastante de Dulce Maria Cardoso, Saul Bellow, Ricardo Felner, Kapuscisnky e Pamuk. Interessante (até certo ponto) os inéditos do Pessoa. Desilusão, a Hélia Correia, cujo texto parece forçado, escrito por encomenda. Grande surpresa, o Felner, não só pela inteligência com que aborda o tema "Eu", pela escrita fluente ou pela estrutura "diarística", mas sobretudo por ter conseguido ser tão português e tão atual. De um modo geral, o #1 cumpriu: nunca tinha lido Kap nem Pamuk e descobri o Felner.

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20th Century Un-limited20th Century Un-limited by Felice Picano
My rating: 3 of 5 stars

I was disappointed with the first story (my rating: 2 of 5 stars)! The initial pages are gleaming (that's why I bought the book...), but thereafter the writing style is descriptive, unimaginative and the plot uninteresting. Where is "my" Felice Picano of "Like People in History"?
Fortunately, the second story, Ingoldsby, is much better (my rating: 4 of 5 stars)! It is also a sci-fi/fantasy tale that mixes past with present, but this time with much more subtlety. Even the narrative structure (a series of police reports, newspaper articles and journals) is smarter, bringing the reader to the author/narrator level, in trying to understand what happened from scraps, bits and pieces, just like what may happen in a real police investigation.

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A Segunda Morte de Anna KaréninaA Segunda Morte de Anna Karénina by Ana Cristina Silva
My rating: 3 of 5 stars

O livro tem duas partes bem distintas: as cartas de amor de Eduardo para Rodrigo e o reencontro de Violante com Luís Henrique. A autora escreve muito bem, isso é inquestionável, mas não me parece que o seu estilo de escrita funcione neste romance, sobretudo na primeira parte. É uma escrita "avalon", muito centrada na descrição de emoções, demasiado lenta e vaga. Senti algum desconforto ao ler as cartas de Eduardo, um homem que está nas trincheiras geladas e enlameadas da I Guerra Mundial, a ver os seus soldados a morrer todos os dias, destroçado por uma paixão de que fugiu, mas de que não desistiu. Parecem pouco credíveis; eu esperaria mais ritmo, maior concisão, mais ação, tudos coisas ditas "masculinas", eu sei, logo defeito meu, seguramente! :D
Na segunda parte, o estilo "avalon" funciona melhor, porque se trata sobretudo do discurso de Violante, das suas explicações, do seu desabafo que, simultaneamente, é um esclarecer do passado. No entanto, as duas partes pouco se relacionam entre si, parecendo quase dois contos separados; aliás, provavelmente, talvez funcionassem melhor assim, e não é o twist inesperado no final, que baralha um pouco a história, mas sem enriquecer a sua leitura, que serve de cola às duas parte e as consegue transformar num romance.

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O que houver de morrerO que houver de morrer by Guilherme de Melo
My rating: 3 of 5 stars

A história de José Carlos, que parte em busca de desvendar a vida do pai, morto logo nas primeiras páginas e que, sem que a família o desconfie, tem um caso com um empregadito de shopping, o Alcino. No final, é José Carlos que se descobre a si mesmo.
Gostei sobretudo porque ser muito português: o "cenário" em que o enredo decorre é o de uma família de classe média do final de anos 80, em Lisboa, com o surgimento dos primeiros centros comerciais, os filhos a estudar na universidade,os empregos em sociedades de advogados e bancos, as cunhas, a vida gay noturna, com os primeiros bares e salas de espetáculos, os shows de travesti!
Mas parece mais um conto longo, uma novela, do que um romance; pelo número reduzido de personagens, pela linearidade da narrativa, pela dimensão. Aliás, talvez beneficiasse se fosse condensado em conto, porque aceleraria a narrativa e eliminaria redundâncias, até pela previsibilidade do desfecho.
Ou talvez merecesse ser prolongado, transformado em romance, porque, precisamente o desfecho, pela sua brevidade, nos deixa a pensar sobre o que sentiria e como reagiria o José Carlos ao que aconteceu.

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Ainda Havia SolAinda Havia Sol by Guilherme de Melo
My rating: 3 of 5 stars

Dois livros num só, com narrativas intercaladas, uma na primeira pessoa, por Eduardo (um alter-ego do autor?) e outra na terceira, onde a história de Eduardo, um jornalista, se entrelaça com a de Liza, uma artista plástica que é sua amiga e confidente. Eduardo, um quarentão, sofre, relembrando a sua relação com um rapaz mais novo por quem se apaixonou e que protege, mas que deixou partir para longe, para o Algarve. Liza, não consegue libertar-se das teias do seu casamento com Dino, de quem se afastou depois de o ter surpreendido numa cena de sexo com a secretária. Eduardo é casto e sensato, esperando pacientemente pelo seu amado, sabendo que ele provavelmente não voltará, sobretudo se se deixar encantar por alguma “moura”. Liza, pelo contrário, é impulsiva e procura afogar a dor no álcool, no trabalho e em sucessivos encontros sexuais com todos os que a atraem, um militar num cacilheiro, um gigolo num bar de travestis ou um grupo de amigas lésbicas. Quando Dino reaparece, após uma episódio de bruxaria em Algés, a vida de Liza muda radicalmente mas ela acaba por descobrir que a água nunca passa duas vezes por debaixo da mesma ponte.

A estrutura com duas linhas narrativas acaba por ser um pouco desequilibrada: o romance é lento na primeira metade, mas é rápido no final; utiliza um estilo de escrita poético (e mesmo, alguma poesia), emocional e sensorial, na narrativa de Eduardo, e apresenta um estilo mais descritivo e realista na prosa de Liza; o enredo das duas linhas é quase independente e o desfecho é muito previsível. No entanto, a composição dos dois personagens principais (Liza e Eduardo) é muito boa, tal como a de Telmo (que, por pouco, seria genial), e certas passagens do enredo são deveras interessantes.

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Se Isto é um HomemSe Isto é um Homem by Primo Levi
My rating: 5 of 5 stars

Um livro perturbador! Escrito de forma tranquila, quase sem atirar culpas a ninguém, mas apontando o dedo a todos, Primo Levi consegue por-nos a refletir sobre a vida (a sobrevivência, as amizades e o amor, o sexo, a religião, ...) de forma inesperada, apanhando-nos desprevenidos, despidos de preconceitos, e, logo, mais preparados para compreender. Ia escrever que a obra "tinha como cenário", mas não, de facto, não foi um cenário... foi a realidade extrema de um campo de concentração nazi onde Levi foi internado durante a parte final da Segunda Guerra Mundial, e não se trata de ficção, mas de memórias. É surpreendente que um homem que passou por tamanha hecatombe consiga um distanciamento tão grande em relação aos sentimentos de zanga, ódio e vingança, que seriam compreensíveis, contra os seus agressores... recordo-me apenas de um exemplo na história recente, o enorme Nelson Mandela. Um dos melhores livros que li até hoje!

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Cá vai LisboaCá vai Lisboa by Alface
My rating: 3 of 5 stars

Alfama: uma associação gay, A Rosa Tatuada, apoiada pela Câmara num piscar de olhos à comunidade lgbt, quer entrar nas marchas populares de Lisboa. O Presidente da autarquia fica entre a espada e a parede: "uma marcha de larilas e sapatonas" representando um dos bairros mais tradicionais da capital a desfilar na Av. da Liberdade será demasiado para os alfacinhas? E as eleições que se aproximam...
Apesar do enredo ser um pouco deslaçado, é um livro muito divertido, muito rico em vocabulário e sintaxe (verbos e adjetivos novos a cada página), cheio de trocadilhos e aliterações, com uma profusão de personagens coloridos e invulgares, que o tornam muito louco mas muito interessante.

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