sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Golpe de MisericórdiaO Golpe de Misericórdia by Marguerite Yourcenar
My rating: 5 of 5 stars

Comprei este livro com expetativas elevadas. Tinha ainda fresco na memória "De olhos abertos: conversas com Matthieu Galey" e "Memórias de Adriano" está no meu top5! No entanto, até à página 70 andei razoavelmente aborrecido e não estava a ver a coisa bem encaminhada (curiosamente, o mesmo me aconteceu com as Memórias, que só li à segunda tentativa). Foi então que uma cena de grande dramatismo, escrita magistralmente, me bateu forte! Eric (o narrador) recorda uma noite gelada de inverno, de bombardeamento aéreo, em que um quadrado de luz se recorta na varanda de Sophie. Eric sobe para fechar a janela e falam com uma intensidade emocional e uma proximidade a que nunca tinham chegado antes. Uma bomba cai junto da casa e, depois de escaparem à morte, ela atira-se para os braços dele e beijam-se. Eric reflete, mais tarde, sobre o que aconteceu: "Agora que ela está morta, e que deixei de acreditar em milagres, estou contente por ter beijado ao menos uma vez aquela boca e aqueles cabelos ásperos. Daquela mulher, semelhante a um grande país conquistado em que nunca entrei, recordo, em todo o caso, o exato grau de tepidez da sua saliva naquele dia e o odor da sua pele cheia de vida. E se alguma vez tivesse podido amar Sophie em toda a simplicidade dos sentidos e do coração, teria sido naquele minuto em que ambos possuíamos uma inocência de ressuscitados". No entanto, "Não sei em que momento a delícia se transformou em horror (...) Arranquei-me a Sophie com uma selvajaria que deverá ter parecido cruel aquele corpo que a felicidade tornava indefeso. Ela reabriu as pálpebras e viu estampada no meu rosto qualquer coisa sem dúvida mais insuportável que o ódio ou que o terror, pois recuou, tapou o rosto com o cotovelo erguido, como uma criança esbofeteada, e foi essa a última vez que os meus olhos a viram chorar". E daqui em diante foi tudo "horrivelmente" bom... e mais não conto!

A não ser que a homossexualidade de Eric, nunca mencionada pela autora ou comentada por ele mesmo como narrador, parece evidente: não só por não ter aceite o amor, nem o corpo de Sophie, que ela lhe ofereceu abertamente primeiro e depois indiretamente, pelo ciúme; não só porque Eric desdenhava as prostitutas e a experiência sexual que teve com uma foi claramente insatisfatória; mas sobretudo pelo indestrutível amor que sentia pelo Conrad, amor que aparentava ser muito mais que fraterno, embora talvez nem Eric se apercebesse disso.

Excelente!

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