segunda-feira, 31 de março de 2014

Ara by Ana Luísa Amaral

AraAra by Ana Luísa Amaral
My rating: 5 of 5 stars

A autora começa por se interrogar se conseguirá escrever um romance e confessa que não é capaz, que a aterroriza mesmo "fazer uma história" e pôr personagens lá dentro. Declara que só sabe falar dela mesma e só "em poema." Depois lança-nos numa série de narrativas com temas aparentemente desconexos, algo crípticos, relacionados com sensações e memórias, "túneis e japoneiras". A pouco e pouco (à medida que as memórias são mais presentes? ou as sensações mais vívidas?) os textos vão ganhando contornos mais claros, maior consistência, e começa a emergir uma estrutura. O que parecia ser uma daquelas obras de prosa-poesia, cheia de subentendidos não entendíveis, transforma-se inesperadamente, aos nossos olhos, num romance, a história de um amor muito sentido e sofrido entre duas mulheres casadas. Como diz Eduardo Pitta, o livro "é na realidade um diário — ou, se preferirem, um récit autobiográfico — que dinamita o baile de máscaras das «conveniências»." O final, no entanto, não é feliz: o amor acaba sacrificado na ara das amarras da vida.

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quarta-feira, 26 de março de 2014

Poemas Homoeróticos Escolhidos by Paulo Azevedo Chaves and Raimundo de Moraes

Poemas Homoeróticos EscolhidosPoemas Homoeróticos Escolhidos by Paulo Azevedo Chaves and Raimundo de Moraes
My rating: 4 of 5 stars

Poemas Homoeróticos Escolhidos é uma coletânea de poesia que reúne sete poemas de Paulo Azevedo Chaves, publicados anteriormente em livros de sua autoria, para além de seis inéditos. Do mesmo autor, constam do volume oito traduções publicadas em livros anteriores, a partir de 1984, de grandes poetas como Walt Whitman, Abu Nuwas, Federico Garcia-Lorca, Luís Cernuda, Jean Genet, Constantino Cavafy ou Paul Verlaine . Os textos foram traduzidos do inglês, francês e espanhol. Os poemas selecionados por Raimundo de Moraes para esta coletânea foram publicados em dois livros de sua autoria, ambos lançados no Recife, em 2010: Baba de Moço (com assinatura de seu heterônimo Aymmar Rodriguéz) e Tríade. Na secção In Memoriam são homenageados dois poetas que se destacam, respectivamente – o brasileiro Cassiano Nunes e o mestre português António Botto. Um poema famoso de cada um deles consta desta secção.

Explica Paulo Azevedo Chaves acerca dos seus inéditos nesta coletânea: "procurei seguir à risca o conselho de Keats no dístico final de sua bela Ode Sobre uma Urna Grega: «Beleza é verdade, verdade, beleza, – isso é tudo / Que sabeis na terra e tudo que precisais saber». O que muitos certamente enxergarão como vulgaridade, indecência, obscenidade, para mim nada mais é do que a busca de uma linguagem visceral em consonância com o que pretendo exprimir – a realidade nua e crua do sexo, que deve prescindir de eufemismos e de termos e construções verbais bem comportados e/ou eruditos para descrevê-la e para exprimi-la. Entre quatro paredes, os homens, via de regra, transam como gatos – com brutalidade e sem meias ações, deixando aflorar o instinto despojado das barreiras do convencionalismo. Para descrever esse momento íntimo e brutal do sexo, seja ele homo ou heterossexual, usei uma linguagem igualmente íntima e brutal e, desse modo, na verdade do verbo encontro a beleza preconizada por Keats. Pois para mim, embora nem sempre beleza seja verdade, Verdade (com V maiúsculo) é sempre beleza."

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Ursamaior by Mário Cláudio

UrsamaiorUrsamaior by Mário Cláudio
My rating: 4 of 5 stars

Ursa Maior, a constelação de sete estrelas, o mesmo número dos protagonistas dos relatos de crime seguido de prisão que Mário Cláudio reuniu neste livro: Henrique, um estudante de medicina que assassina a namorada, Gerardo, um burguês viciado em jogo de casino, Sérgio, um polícia violador, Cristiana, um transsexual que se apaixona por um ladrãozeco, Rogério, o galã das academias de danças de salão que compra um Porsche com um cheque-careca, Albino, o dono de um snack-bar que trafica arte sacra, e Jorge, um drogado que acaba violado em grupo na sua camarata na cadeia.

A designação de romance que Mário Cláudio utiliza no título, "Ursamaior: romance", é intrigante, pois os personagens quase não se interrelacionam e as histórias quase não se cruzam. Henrique, cuja história é a mais extensa, surgindo dividida em vários relatos ao longo do livro, é o único personagem que aparece referido por outros personagens, mas tal não parece ser suficiente para servir de cola ao conjunto dos depoimentos (Ursamaior terá sido inspirado em casos reais, de detidos com quem Mário Cláudio falou na prisão, havendo mesmo notícia de um processo judicial instaurado pela família do verdadeiro Henrique). Assemelha-se mais, por isso, a um livro de contos de temática coesa, muito masculina, policial, dura e por vezes violenta.

A escrita é excelente. E a organização de cada história também, evocando as formas mais estruturadas da poesia (o decassílabo, o soneto,...) ou da música (a fuga, a sonata,...)! Há sempre uma primeira parte narrada na terceira pessoa que descreve o crime praticado por algum desconhecido ("o homem", "o rapaz",...) e que termina sempre com a mesma coda: "O homem chama-se..." Segue-se uma narrativa na primeira pessoa, mais extensa, em que o personagem, já preso, nos dá a sua perspectiva pessoal sobre o crime ou sobre a sua vida na prisão.

O resultado geral é um mosaico de fragmentos: pequenas histórias e pequenos tiques de pequenos personagens que, não fora serem criminosos, passariam desapercebidos, mas que agregados e moldados pela escrita de Mário Cláudio, se tornam interessantes.

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quinta-feira, 20 de março de 2014

Um Quente Agosto de John Wells

Um Quente Agosto Um Quente Agosto de John Wells com Meryll Streep, Julia Roberts, Vhris Cooper, Ewan McGregor, Margo Martindale, Sam Shepard, Julianne Nicholson,...
My rating: 9 of 10 stars

Um casal já para lá da meia idade, ele, Beverly, viciado em álcool e ela, Violet, em comprimidos, vivem com a filha solteira, Ivy, isolados no Oklahoma, no meio do nada, nas infindáveis planícies do midwest americano. Ele contrata uma empregada nativo-americana para ajudar em casa, pois Violet sofre de cancro da boca, e desaparece em seguida, para ser encontrado uns dias depois afogado num lago. A outras duas filhas, Barbara, acompanhada do ex-marido e da filha, e Rachel, que chega com o noivo, reúnem-se na casa do casal com a irmão de Violet, o marido e o filho, para o funeral e, talvez pela atmosfera fúnebre, ou por estarem todos separados há muito tempo, ou talvez mesmo pelo abrasador calor desse agosto, as verdades escondidas no seio daquela família emergem em cascata com uma crueza e uma violência inesperadas...

Espantosas interpretações de Meryll Streep (Violet), Margo Martindale (a irmão de Violet) e mesmo de Julia Roberts (Barbara), num cenário claustrofóbico, mas em que as surpresas se sucedem, não nos deixando tirar os olhos do ecrã e fazendo-nos meditar sobre os esqueletos dos nossos armários e os méritos da verdade nua e crua.

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segunda-feira, 17 de março de 2014

A Velha Casa II - As Raízes do Futuro by José Régio

A Velha Casa II - As Raízes do FuturoA Velha Casa II - As Raízes do Futuro by José Régio
My rating: 3 of 5 stars

Lélito recupera em Azurara, na "velha casa" de família, da sua descida aos infernos da noite da baixa portuense, rodeado do carinho da patriarca familiar, a madrinha Libânia e dos mimos de Piedade, a velha governanta e cozinheira. Na mesma casa vivem o seu rigoroso pai, Martinho, a sua frágil mãe, Maria Teresa, e as suas duas irmãs, a irrequieta Maria Clara e a mística Angelina. O velha casarão, que visto de longe, do internato para onde o tinham desterrado, parecia a Lélito um paraíso de pacatez com a monotonia tranquilizadora dos seus rituais próprios (como o dia das 3 missas, o Natal, as visitas ao casão), não deixa de encerrar em si as tradicionais pequenas quezílias familiares e sobre ele paira o "fantasma" de João, o irmão de Lélito, que saiu de casa sem deixar rasto e que agora enviou um telegrama dizendo que voltaria em breve...

A escrita de José Régio continua excelente, tal como no volume I, A Velha Casa I - Uma Gota de Sangue, mas a estrutura é agora mais difusa e o ritmo mais lento. A primeira parte arrasta-se na descrição da velha casa e dos seus habitantes, sem que nenhum ocupe um lugar de destaque (a casa, provavelmente, será o personagem principal, substituindo Lélito, à volta de quem tudo girava no primeiro volume). Já para o final, com a chegada de João, a escrita acende-se e o romance ganha fulgor, mas não se resolvendo, antes fechando uma porta e deixando outra aberta para o volume seguinte...

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terça-feira, 11 de março de 2014

A Inversão Sexual: Estudos Médico-Sociais by Adelino Pereira da Silva

A Inversão Sexual: Estudos Médico-SociaisA Inversão Sexual: Estudos Médico-Sociais by Adelino Pereira da Silva
My rating: 4 of 5 stars

Com a publicação de A Inversão Sexual, em 1895, Adelino Pereira da Silva foi pioneiro em Portugal no estudo da homossexualidade . O tema, mais precisamente, a pederastia, já havia sido abordado no romance de Abel Botelho, O Barão de Lavos, de 1891, mas seria só em 1902 que Egas Moniz lhe daria tratamento científico, dedicando à homossexualidade um capítulo de A Vida Sexual, obra que se manteria canónica durante muitos anos, com sucessivas reedições. Como Adelino Pereira da Silva refere: “É pois com este fim que escrevemos. Em Portugal, nada havia ainda feito sobre o assunto, seduziu-nos a novidade e a precisão de um estudo assim; fomos ousados e tentámo-lo. Sirva-nos a ousadia para encobrir a incompetência.” Mas Adelino Pereira da Silva revelou-se ousado também pela coragem que demonstrou ao abordar publicamente um assunto que, à época, era um enorme tabu. Ele mesmo tem consciência disso ao referir: “Poderão chamar-nos imorais por pormos a nu tantas feridas gangrenosas, mas se a imoralidade é isto, se quem condena os podres da sociedade, fornecendo meios para purificá-la, se pode considerar um imoral, bendita imoralidade!”

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domingo, 9 de março de 2014

Noites de Anto: Alegoria em Sete Quadros by Mário Cláudio

Noites de Anto: Alegoria em Sete QuadrosNoites de Anto: Alegoria em Sete Quadros by Mário Cláudio
My rating: 3 of 5 stars

Um texto dramático que acompanha a vida de António Nobre em sete quadros, desde a infância ("Mãe") até à morte ("Finis Patriae").

Não se trata de uma peça de teatro narrativa, com uma história para contar. Pelo contrário, são sete quadros para um personagem principal, Anto (António Nobre), quase um monólogo, mesmo quando há intervenções de outros personagens (Joseph, o criado, ou Purinha, a noiva que diz sempre "sim") ou do coro e dos solistas, talvez numa evocação do teatro classíco grego. E nem o próprio personagem principal é vulgar, havendo indicações do autor para que seja "efeminado" nalguns quadros ou "muito viril", noutros. No entanto, a escrita é muito bela, lírica, fazendo referência constante (e por vezes citando) a poesia de António Nobre, e o texto encenado deverá ter quase um carácter onírico, místico, talvez mesmo trágico.

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The Man Who Knew Too Much: Alan Turing and the Invention of the Computer by David Leavitt

The Man Who Knew Too Much: Alan Turing and the Invention of the Computer (Great Discoveries)The Man Who Knew Too Much: Alan Turing and the Invention of the Computer by David Leavitt
My rating: 4 of 5 stars

Great book on an extraordinary man by a great author.

From the editor: To solve one of the great mathematical problems of his day, Alan Turing proposed an imaginary programmable calculating machine. But the idea of actually producing a "Turing machine" did not crystallize until he and his brilliant Bletchley Park colleagues built devices to crack the Nazis' Enigma code, thus ensuring the Allies' victory in World War II. In so doing, Turing became a champion of artificial intelligence, formulating the famous (and still unbeaten) Turing Test that challenges our ideas of human consciousness. But Turing's postwar computer-building was cut short when, as an openly gay man in a time when homosexuality was officially illegal in England, he was apprehended by the authorities and sentenced to a "treatment" that amounted to chemical castration, leading to his suicide.
With a novelist's sensitivity, David Leavitt portrays Turing in all his humanity—his eccentricities, his brilliance, his fatal candor—while elegantly explaining his work and its implications.

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See also the movie Codebreaker: The Alan Turing Story, or the documentary The Strange Life and Death of Dr Turing (50 min) or the shorter Alan Turing - Celebrating the life of a genius (8 min), below:



domingo, 2 de março de 2014

Esfolado vivo by Edmund White

Esfolado vivoEsfolado vivo by Edmund White
My rating: 5 of 5 stars

Não posso deixar de confessar que não era grande fã de Edmund White. Tinha lido A Boy's Own Story, O Homem Casado e começado a ler a biografia de Rimbaud: The Double Life of a Rebel (que abandonei a meio) e, assim de repente, não me lembro de mais nada. Mas chegou o João Roque e ofereceu-me este livro de contos e fiquei rendido. Agora já me apetece reler e comprar mais...

Tal como em O Homem Casado, são histórias sobre a morte e a doença (SIDA, a maior parte das vezes), mas são contadas pela ótica do desejo e da memória, uma memória que nem é saudosista nem lamechas, e um desejo que quase nunca é completamente correspondido (aliás, EW diz que o desejo nunca é satisfeito, apenas as esperanças o podem ser) e tem, quase sempre, uma componente fortemente sexual.

Um livro muito bem escrito, num tom muito pessoal, com os contos narrados quase sempre na primeira pessoa, evocando a Paris e a França onde o autor viveu 15 anos (talvez como ferramenta para dar mais credibilidade à narração e envolver mais o leitor, o que é plenamente conseguido), e revelando uma sensibilidade extraordinária para os dilemas, as agonias, as dores e as alegrias, as vidas dos rapazes e homens gay que são o centro das suas histórias.

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