segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Murder Is Murder Is Murder by Samuel M. Steward

Murder Is Murder Is MurderMurder Is Murder Is Murder by Samuel M. Steward
My rating: 4 of 5 stars

Nas traseiras da velha casa apalaçada onde passam o verão, na pequena aldeia rural de Bilignin, em França, Gertrude Stein e Alice B. Toklas têm um pequeno jardim com vista para o vale e, lá ao longe, para o Monte Branco. Um dia, sentada sobre o muro do jardim, Alice é testemunha de uma cena inusitada nos campos em frente. Grand Pierre, o pai Petit Pierre, o apolíneo rapaz surdo-mudo que é o seu jardineiro, dirige-se, furioso, ao homem mais detestável da aldeia, Monsieur Debat. Quando regressa de casa, onde foi chamar a sua Lovey (Gertrude) para assistir ao que ela julga será uma briga violenta, Alice (a Pussy de Gertrude), depara-se apenas com Debat, lavrando as suas terras como se nada tivesse acontecido. No dia a seguir, Petit Pierre chega, preocupado com a ausência do pai, que não dormiu em casa, coisa que nunca acontecera antes, o que faz com que as duas mulheres, com a ajuda de Johnny-jump-up, um amigo americano acabado de chegar a Bilignin para as visitar, partam numa aventura policial que os levará a descobertas surpreendentes...

Este livro é um interessante romance policial, com muitos dos ingredientes habituais: um crime, um suspeito, um corpo em falta, uma série de indícios que levam à descoberta da verdade e à prisão do criminoso, e um final inesperado. Mas afasta-se do género quando faz com que as heroínas-detetives sejam sejam as famosas Gertrude Stein e Alice B. Toklas, o casal de expatriadas americanas que fizeram do seu salão parisiense um centro de arte e cultura por onde passaram Picasso, Paul Bowles, Cecil Beaton, Thornton Wilder, Lord Alfred Douglas e outros, e porque mistura a ficção policial com as memórias do autor, Samuel Steward, ele próprio um personagem do enredo (Johnny), que se correspondeu com as famosas escritoras e as visitou em Bilignin, Paris e Roma.

O enredo está salpicado de sexualidade, sexo e desejo sexual, o que também lhe dá uma feição especial em relação aos romances do género. Johnny-jump-up, que dificilmente distinguimos do narrador e do autor, é um pinga-amor gay (daí o "jump-up"?), que se sente atraído pela beleza escultural do jardineiro, sempre em tronco nu, que gosta de fazer trocadilhos de cariz sexual nas suas conversas com Alice e Stein, elas próprias um casal de lésbicas, e que seduz o secretário da polícia, a pedido das suas amigas detetives, para obter informações valiosas para desvendar o mistério do crime que, por coincidência, inclui uma componente de sodomia.

A escrita é escorreita e rica em referências culturais, em expressões idiomáticas do francês, no esboço dos personagens de Stein e Toklas, cujos diálogos nos aparecem nos estilos próprios de cada uma, bem como nas reflexões dos três personagens principais que o narrador nos vai deixando aqui e além, como a que o meu amigo Miguel Botelho sublinhou e que não resisto a transcrever: "Isn't it wonderful," she [Gertrude] said, "how all animals know that the ultimate end of life is to enjoy it."

Tendo lido recentemente Dear Sammy: Letters from Gertrude Stein and Alice B. Toklas, o livro em que Sam Steward descreve as suas visitas ao casal Stein/Toklas e colige as cartas que delas recebeu, percebe-se o quanto a realidade é utilizada como material para a ficção, e é fácil compreender que este livro é sobretudo uma homenagem, uma bela declaração de profunda amizade e admiração do autor às suas duas amigas.


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