domingo, 8 de junho de 2014

Retrato de Rapaz by Mário Cláudio

Retrato de RapazRetrato de Rapaz by Mário Cláudio
My rating: 3 of 5 stars

Giacomo Caprotti, o mafarrico de 10 anos, o ladrãozeco, o mais belo modelo para estátua de Apolo ou Ganimedes, é abandonado pelo pai junto de mestre Leonardo da Vinci, já então homem maduro, como aprendiz, para que o ensine e desbaste. "Aos dez anos, sabendo o que sabiam da vida as putas do Borghetto, foi com alegria que Giacomo ouviu esta ordem mais, carregada do condão de dissipar nele quanto do temor lhe restasse: «Despe-te lá!»" Leonardo deixar-se-ia enlevar pela beleza e pela irrequietude do moço, a quem apelidaria de Salai ("diabrete"), e entre os dois estabelecer-se-ia uma relação de amor que duraria quase até à morte do Artista na corte de Francisco I, rei de França, 25 anos depois.

Escrever sobre pessoas reais, de um passado distante, faz-se usualmente pela perspetiva do historiador, citando factos e tentando articulá-los e interpretá-los, ou do romancista, aderindo mais ou menos à realidade para descrever personagens históricos e enredos. Mário Cláudio constrói a sua novela sobre os factos, sobre os apontamentos do mestre nas folhas dos seus códices, sobre os seus esquiços e pinturas, mas sempre com um certo recato, uma certo estilo de narração modesto e distanciado, que não pretende ter a ousadia de saber das emoções dos personagens, dos seus pensamentos ou intenções. Leonardo, os seus discípulos Salai e Melzi, e os seus diversos patronos, aparecem assim como que envolvidos numa bruma histórica, que por vezes se adensa e não nos permite espreitar, mas que por vezes se aclara um pouco para nos deixar entrever melhor. E talvez um dos instrumentos com que Cláudio nos quis envolver nesse nevoeiro, tenha sido o estilo de escrita que escolheu, de um vocabulário riquíssimo, de uma sintaxe complexa, esparsamente pontuado por discurso direto, em que a familiaridade com as referências culturais, que aparecem sem alarde aqui e ali, é indispensável para a apreciação do texto. No final, fica-nos o prazer da leitura de tão sofisticada escrita e alguma curiosidade não satisfeita sobre o rapaz retratado e o seu amado mestre.

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