Cadernos da Casa Morta by Fyodor Dostoyevsky
My rating: 4 of 5 stars
Numa cidade perdida na Sibéria, o autor trava conhecimento com Aleksandr Petróvitch, o percetor das filhas do seu anfitrião. É um homem gasto, atarracado e enigmático, que se furta ansiosamente a todas as perguntas do autor. Mas este descobre, perguntando a um e outro, que Petróvitch vive ali sossegadamente depois de ter cumprido dez anos de trabalhos forçados pelo assassínio da mulher. Anos mais tarde, quando regressa à mesma cidade, o autor descobre que Petróvitch morreu, e que, entre as suas coisas, estão uns cadernos manuscritos com as suas memórias dos tempos de prisão. Depois de os ler, o autor decide publicar alguns capítulos, deixando à consideração dos leitores a avaliação do seu mérito.
Em Cadernos da Casa Morta, Dostoiévski conta-nos pela boca do seu personagem principal, o fidalgo Aleksandr Petróvitch, a sua experiência como prisioneiro político, durante quatro anos, num campo de correção siberiano. E o que tem para nos contar não é agradável: o sofrimento e os castigos, o clima duro da Sibéria, a corrupção entre os guardas, a sujidade e os piolhos. "De qualquer maneira, existem desconfortos perante os quais tudo isso se torna insignificante, tão depressa nos habituamos à imundície e a uma alimentação fraca e porca. O mais mimado fidalgote, o mais sensível senhorito, depois de um dia de trabalho em que sua em bica, comerá o pão negro e uma sopa em que nadam baratas." O que "dói" mesmo é a desumanização a que são sujeitos os presos que os leva a tornarem-se gente dura e quase insensível.
Aníbal Fernandes refere este livro como sendo um dos primeiros na literatura russa onde é mencionada a homossexualidade. Mas, tal como a maior parte das suas reflexões e críticas ao sistema prisional e social russo desta obra, Dostoiévski aborda o tema da homossexualidade muito brevemente e numa linguagem cheia de subentendidos. O personagem é Sirótkin, "uma criatura enigmática em muitos sentidos", muito belo, muito sossegado e meigo, gozado por todos os outros reclusos, e de quem Gáizin, um prisioneiro violento, era "muitas vezes, o amigo especial."
Embora seja apresentada por Dostoiévski como uma obra de ficção, a sua estrutura, uma sequência de capítulos temáticos, sem enredo a entreligá-los, reflete a sua publicação como uma série de artigos em jornal e o facto de se tratarem de memórias algo distantes, embora marcantes. Esta é a primeira tradução direta do russo (que até alterou o título tradicional em português, que era
Recordações da Casa dos Mortos
) e, talvez por isso, tem um tom rude e pouco "polido".
View all my reviews
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.